19.1.11

A vida insiste em perseverar

A vida insiste em perseverar. É isso. E nós insistimos em perseverar a vida daquilo com que nos identificamos. Explicação simples.
Estamos vendo, nesses tempos, as grandes tragédias ocorridas no Rio de Janeiro. Há que se escrever sobre isso e tirar alguns argumentos da boca de jornalistas tacanhos.
Tragédia Ecológica? Isso é um tragédia política e social, isso sim! Não há dúvidas que fúria das águas e da lama se abateria sobre a região não importa o que se fizesse. Não há dúvidas de que haveriam mortos (isso para contra argumentar aqueles que colocam toda a culpa nos governantes). Mas também é importante que se diga algumas coisas. Já se sabia que muitas das áreas ocupadas, urbanizadas, apresentavam risco aos moradores e freqüentadores. Isso era sabido, entretanto, as pressões políticas permitiam as construções. Qual vereador/prefeito não cede mediante a ameaça de retirada de recursos da cidade? (sem contar os esquemas mais corruptos em que a permissão para ficar/ocupar faz circular dinheiro entre os poderosos das cidades) O clientelismo e o populismo ofereciam esses terrenos à falta de moradia. Mas aí também tem sempre aquele que põe a culpa no pobre coitado que ocupou o barranco. Duvido que tenha ido para lá por alguma preferência pessoal, seria mais adequado dizer que "foi parar lá", na falta de outras opções para uma existência digna, sob um teto acolhedor.

Desses absurdos todos que temos escutado nos jornais para explicar, justificar, acusar, culpar etc teve algo que me mobilizou demais. Está relacionado com a reportagem colocada abaixo. Uma senhora se refugia da forte correnteza de lama no terraço de sua casa. Os tijolos ainda por cobrir dá a impressão que é um parte da casa onde ela ainda está investindo algo. Não temos como saber nada sobre o andar debaixo pois já está inteiramente coberto. A água continua subindo. Ela está só, com seus três cachoros, e começa e ver as paredes não terminadas daquele terraço ruirem. Nos prédios vizinhos as pessoas se mobilizem, de um que está próximo à casa lhe é atirada uma corda. Todos gritam orientações para ela. A senhora amarra a corda entorno da cintura. Tenta amarrar o cachorro menor junto, mas não consegue. Então ela o põe de braço do baixo e pula na direção do prédio tendo uma grande tormenta de água, coisas carregadas por esta e lama no meio do caminho. A correnteza era exatamente a de um rio caudaloso descendo uma serra íngreme, nada menos do que isso. Uma cachoeira horizontal. Quem quer que já tenha passado por águas turbulentas assim entende do que estou falando (ainda que ver o video torne esse imaginado algo bastante claro). A câmera mostra os pretensos salvadores, dois homens no terraço do prédio, talvez uns três andares acima da altura em que a mulher se encontra.
Ela salta! O que garantia que eles iriam agüentar? Nada! Ela é grande! A morte está a seu encalço e a única esperança era pular para a possível morte e confiar. Ela afunda na tormenta, a correnteza a leva um pouco para o lado e eles conseguem erguê-la para fora. O cãozinho foi levado, as mãos dela estão vazias. Ela é pesada, o rio é forte, mesmo assim os dois conseguem puxa-la. Não há nada no video que nos faça acreditar que os dois salvadores sejam maiores do que a média dos homens, nem mais fortes, mesmo assim eles a erguem em segurança (não sem grande esforço! Os mais atentos podem ouvi-los gritando, antes de cada puxão, "um, dois, três"). Ela é salva.
Bom, aí o repórter diz que a mulher se salvou por sorte! Sorte do que? De haver uma corda? De ter um prédio do lado? Pois eu digo que a vida insiste em perseverar e nisso explode a potência de cada um em pura coragem e solidariedade! Sorte? Famoso, "eu truco!"
Foi sorte o pai ter encontrado uma fresta na lama onde pudesse proteger seu bebê? Digo que foi coragem ter resistido e ter hidratado o filho com a própria saliva e tranquilizado-o enquanto ele próprio estava ferido e devia amedrontado.
A lógica seria morrer. O corpo e a vida são frágeis diante das intempéries todas que os cercam. Muito frágeis! Mas a vida, em tendo uma chance, menor que seja, insiste em perseverar!


4 comentários:

  1. Bru!!!

    Lindo texto!
    Lindo este mote: a vida insiste em perseverar.

    Eu já havia visto a reportagem no inicio da semana e falei dela em vários momentos durante a semana, é realmente chocante e nos "arrasta" a pensar mtas coisas. Mas das coisas todas que pensei com outras pessoas até agora estas tuas idéias ai em cima são, sem dúvida, as melhores.

    "Truco", amigo querido, pra você tbem!!

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  2. Texto dramático. Vida transbordando. Não deixei de pensar no texto que muitas vezes ouvi em várias rodas que diz que se fala na violência do rio, mas não se fala da violência das margens que o contém. Mas nesse imagem e com seu texto me agarro na vida e na solidariedade. A vida transborda para além do rio e da margem, essa vai além do físico, do corpo e da força. Ela agarrada ao cachorro até o último momento, mas esse se foi...não páro de pensar em "baleia" do tão famoso livro, que só faltava falar e era uma entidade para uma família miserável. Mas ela se agarra à uma corda-umbilical, nasceu de novo pelas mãos de outros. Humanidade, ainda há esperança em deságuas de lágrimas de dor e de esperança pela vida.

    Muito obrigada pelo texto, imagem e reflexão.

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  3. Oi Ju e Manu! Muito obrigado pelos belíssimos comentários!
    Manu, sempre há esperança! Mesmo nos recônditos mais tenebrosos do universo! O porvir está sempre em contínua construção e destruição, nada nos permite prevê-lo. Se há coisas boas hoje, não há porque não havê-las amanhã também.

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  4. Bruno:

    Este seu post ficou magnifico, vc sempre consegue colocar em poucas mas boas palavras o que eu falo muito, mas viro prolixa e nisso perco a atenção.
    Você e seus blogs...como a vida gira, não? Gira e torna voltar em alguns pontos, mas todos mudados...mas muito orgulhosa por poder te elogiar.

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