27.12.10

Funeral

Longo período de jejum, os motivos de sempre!
Agora talvez comece uma nova seqüência de histórias, que talvez seja interrompida por umas ou outras histórias que não tem a ver com esta. Quem tiver paciência que acompanhe até o final.
Para ficar mais fácil, os poucos leitores devem ter percebido que introduzi uma nova página no blog (em uma aba acima), a Histórias Completas. Ali estão as histórias que foram publicadas em mais de um post, colocadas em seqüência de publicação.
Poderão achar estranho que bem no período das festividades eu tenha iniciado uma história por um velório, paciência... isso já tava cozinhando na minha cabeça fazia muito tempo e preciso realmente começar a desovar algumas coisas!



Já estamos nessa faz bastante tempo não é? Sabe que nunca vi algo como vi essa semana!? Foi impressionante.
Sabe, costuma ter um certo senso comum em velórios. Algumas pessoas choram ao caixão. Ficam olhando pensativos para o morto. As pessoas vão chegando e vão indo embora. Se abraçam. Choram. Lembram das últimas histórias, ou das primeiras, com o defunto. Alguns conversam e arriscam risos ao fundo. Isso é o mais lugar comum, o mais padrão.
Ah! E as histórias são aquelas totamente desinteressantes não é? Ah! Quando ele andou, quando ele falou, quando ele casou! E todos viram boa gente. "Me enganou várias vezes, mas era boa gente!".
Só agora percebo o quanto é sombrio isso que vivemos todos os dias. Acho que já perdemos um pouco a sensibilidade não é?
É! Com certeza sim...
E sempre contar as horas pra acabar... passar o turno e sumir para a casa. E arrumar algum passatempo para não ficar lembrando de toda aquela dor.
Mas não naqueles dois dias!
Eu simplesmente não consegui ir embora!
Não, estava muito cheio, mas não ficaram muito atrás da gente não.
Aliás! Que tanto de gente! Fui pesquisar o nome do morto, quando tem muita gente assim costuma ser da elite né! Não encontrei nada! Pessoa comum. Homem, adulto jovem. Caso trágico, aparentemente alguma doença rara. Não sei bem. Quase todos ali se referiam a ele como Zeca. Em volta do caixão algumas mulheres. Não dava para saber muito bem quem era a esposa dele. Todas olhavam para ele com muito amor. Se abraçavam, se consolavam, mas não estavam desoladas. Muitos estavam mesmo felizes. Foi bom pra ele? Deixou de sofrer? Não sei se era bem por aí não. Não ouvi ninguém com aquele típico tom de piedade: "ah, foi melhor assim né..." Fico louco no quanto escutamos isso todo dia! Que raio de consolo mais tosco! O desgraçado morre sofrendo, cheio de dores, se cagando, sem entender nada, sem reconhecer ninguém, muitas vezes sem o carinho de uma família já exausta de cuidar daquele carma de gente! E ainda vem falar que foi melhor assim? Isso lá é forma de morrer?
Não. Não era esse o caso. Havia lamentações sim, mas ninguém questionou o fato dado, ele morreu! Ninguém se perguntava o porquê, amaldiçoava a Deus ou ao Inferno. Ninguém questionava o porquê de morrer tão jovem. Saudades! Era disso que se falava!
Porque eu não conseguia ir embora? Oras... porquê... não dava para deixar de ficar ouvindo as histórias que se contava dele. No começo eram conversas paralelas. Uns falavam da infância, outros da adolescência.
Conta-se que tinha sido uma criança calma, amiga, inteligente... não dava trabalho, não causava transtorno. A adolescência tinha sido típica. Contestatória, com lascas de juventude transviada. Um ou outro se supreendia com inesperados casos de bebedeiras.
Os contos se sucediam. Vez por outra alguém contava algum mais animadamente e atraía mais ouvintes. A roda ia se abrindo. Em pouco tempo o caixão tangenciava uma formação irregular de cadeiras, meio circular. Um falava e todos ouviam. Riam e choravam com as histórias.
Em pouco tempo me veio à mente aquelas coisas de acampamento. Um monte de jovens em torno de uma fogueira, às vezes um violão, às vezes uma história de terror. Todos ali, mulheres e homens, jovens e velhos, com um caixão ao lado ouvindo histórias do defunto. Todos atentos, um por vez contando cada uma das histórias...
Histórias...
Naqueles dois dias de vigília desfiaram toda a vida do morto. Compartilharam suas próprias vidas! E quando acabou chorei como menino novo. E não foi de tristeza, foi de beleza! Foi de amor! Você não está entendendo não é? Vou tentar te contar um pouco do que eu ouvi. Um ou outro trecho eu perdi. De tantas em tantas horas tinha que sair para passar uma grande garrafa de café. Mas vamos ver o que ainda lembro...

8.12.10

Frango Verde

Essa não é uma história de ficção científica. Não nos remeteremos a nenhum godzilla, acidente nuclear, experiências genéticas ou qualquer coisa assim. Entretanto, não se pode deixar de considerar a cena deveras singular!

A jovem alegre, extrovertida, comunicativa sempre levava seus amigos confraternizar em sua casa. Seguindo o padrão da adolescência, isso se dava quando seus pais iam viajar. Por sorte daquele grupo de amigos isso acontecia com certa freqüência. Uns três ou quatro chegavam primeiro. Colocavam o assunto em dia, ou simplesmente ficavam falando bobagens sem parar (isso na verdade era o mais comum, qualquer outra pessoas descontextualizada recomendaria medicações psiquiátricas em alta dosagem para os protagonistas da conversa!)

Tinha também a preparação. Uma comidinha ou outra para fazer, a TV para arrumar, o DVD para encontrar (ou naquela época ainda era fita cassete? Esqueceram de dar-me esse detalhe!).
- Pipoca? - perguntou uma
- Pode ser!
- Tem milho?
- Ahn... deixa eu ver... tem sim!
- Oba!
- Eu faço – interpelou a outra, certa resignação, sempre sobrava para ela mesmo. Ninguém mandou ser uma boa cozinheira, respondiam-lhe. No fundo bem que gostava desse reconhecimento. E todos eram sempre muito solícitos e dispostos em fazer a coisa acontecer (em geral, após um longo tempo debatendo até conseguirem decidir o que fazer).
- Onde ficam as panelas?
- Toda vez tenho que explicar! Vocês tão cansadas de saber!
- Ah! Eu sei! - disse a primeira.
- Tudo isso pra uma pipoca? – disse outro vendo a confusão das três na cozinha.
- A meu! VOLTA PRA SALA! - foi respondido em coro
- Ui! Desculpa. - respondeu com sorriso maroto.
- Opa! Pera! - interpelou a primeira, puxando a panela – Si! Que porcaria é essa?
- Ahn?
- Deixa eu ver – a cozinheira lançou-se para cima da amiga olhando dentro da panela – é um frango!!!
- É! Eu sei! Mas é VERDE!
- Argh! - ressoou, talvez até os vizinhos uns três andares de distância tenham escutado.
- Ah!!! Eu odeio minha mãe!! O que ela fez aqui? Só me faz passar vergonha!!!
- Calma Si... tudo bem...
- Calma Si, mas eu não encosto nisso daí!! - consolou a outra a gargalhadas.
Enquanto os três olhavam estupefatos para a panela, na qual tinha um frango quase inteiro, assado, mas tão coberto de fungos que estava completamente verde, Si foi ligar para a mãe.
- Oi mãe!
- Que droga!
- Que foi? Tem um frango verde no armário!
- É mãe! No armário!
- É MÃE! Tá VERDE!
- AH!! É CLARO QUE TÁ MORTO MÃE!!!
- Alguém além de mim imaginou um frango radioativo correndo pela cozinha? - disse a cozinheira, sendo respondida por largas gargalhadas pelos outros dois amigos, o que fez a anfitriã fugir rapidamente e se trancar no quarto, afinal ela não sabia que tinham todos aqueles amigos ali em casa!
Claro que hoje em dia a história do frango verde, já virou um mito entre aqueles amigos. Talvez seus netos ainda sejam entretidos por essa história, sempre contada às gargalhadas, com diversas repetições ao final: “É CLARO QUE TÁ MORTO MÃE!”

3.12.10

A história da menina que tinha medo de morrer de forma idiota - Parte Final

Bom pessoal, finalmente, depois de um tempo de jejum, essa fábula vai chegando ao final. Acho que o resultado não é mal, apesar de cru (nunca revisei nenhum texto após escreve-lo e antes de publica-lo).
Outras ideias já estão correndo, na verdade mesmo, uma encomenda! ;-)
Tomara que de alguma forma os entretenha:



Noite estava estrelada. Sem lua no céu. Meri andava com medo, assustada. Cada passo, cada esquina, cada rua eram previstos com centenas de olhares para todos os lados. Ao mesmo tempo não podia deixar de pensar que seus desenhos tiveram uma estranha função nisso tudo. Eles aconteceram. Assim como a maldição. Tudo bem, por mais que quisesse acreditar em magia e em seres místicos nunca achou de fato que isso pudesse acontecer.
E agora? Qual seria o próximo passo?
Aferrou-se àqueles desenhos e foi para casa. Seu pai já dormia e ela levantou bastante tempo para consegui-lo. No dia seguinte resolveu que ficaria em casa. Menos chance das coisas acontecerem, mesmo assim não desprendeu-se daqueles desenhos nem por um segundo.
No meio da tarde, depois de ter ficado o tempo todo no quarto resolveu sair para comer. Estava preparando algo, quando escorregou no xixi da cachorra! O trajeto era certeiro de sua nuca com a quina da mesa, mas seu pai puxou o móvel no mesmo instante! Estava achando que mesa atrapalhava a passagem. Meri bateu com ombro esquerdo na mesa e com o lado direito do corpo no chão.
- Você não muda!? Isso é topeirice! Como você conseguiu escorregar no xixi da cadela?
Ela esboçou um “ah pai”, mas achou melhor comer no quarto sozinha E lá ficou o resto do dia, remoendo dores, medos e amores.
Quanto ao carro, no boletim de ocorrência constou roubo, sendo o carro abandonado após uma batida. Ninguém acreditava mesmo que ela o dirigiria. Seu namorado achou todas aquelas coincidências estranhas demais. Ligou algumas vezes. Questionou, tentou entender o que estava acontecendo. Ela até pensou em abrir o jogo, mas para quê?
No dia seguinte ele tentou visita-la. Ela não deixou. Disse que era melhor ir embora. Que ela seria um perigo para ele! Mas por quê? Tensões pré-menstruais! (eram lendários seus rompantes de raiva nesse período, desculpa perfeita!) Ele foi embora, mas não deixou de ligar e de procurá-la novamente naquele dia e no dia seguinte. Já seria seu terceiro dia trancada no quarto. Seu pai estava estranhando e o namorado estressando, começou a brigar com ela e ameaçar de tomar alguma atitude mais drástica caso ela não abrisse o jogo. Não dava para continuar nesse silêncio.
Ela olhou para um amontoado de folhas que estavam em sua mesa. Já deveria ter desenhado uma centena de formas de escapar de mortes estúpidas, acidentes inusitados etc. Não poderia mais fugir. A morte mais estúpida de todas seria passar por tudo isso e ainda morrer depois dele ter terminado com ela! Ou então morrer de inanição naquele quarto!
Junto seus desenhos, colocou alguns na mochila e outro prendeu na face interna do casaco e foi encontrar com ele. Olhos paranoicos, ouvidos atentos.
Desceu do ônibus no centro da cidade. Agora precisaria andar por entre prédios. Apertou o passo.
De repente um zunido, em segundos pensou em um guarda-chuva, ele apareceu dentro de seu casaco. Puxou e abriu. Pein! Uma lata caía de um apartamento, sua trajetória seria a cabeça de Meri, mas ficou cravada na ponteira de ferro do guarda-chuva. Cheiro doce, uma lata de goiabada. Soltou-a e deu para a primeira criança que passou.
Começou a correr. Sentiu um movimento em sua mochila, eis que ela se abriu com muita força, atirando a moça no chão. Da mala saiu um toldo que aparou a queda de um suicida sobre ela. Morreria de suicídio alheio! Que cruel! Quando olhou para cima teve tempo de ver um vaso caindo do mesmo prédio, em sua direção, rolou na calçada. Ele explodiu do seu lado, deixando-a com o cabelo cheio de terra e folhas. O que era aquilo? Cheiro de hortelã?
Levantou, pegou a mochila e correu, apavorada, o máximo que pôde.
Finalmente chegou na casa dele. Abraçou-o o mais forte que pôde! (e isso é bastante forte!) Beijou-o várias vezes! Resmungou diversos “te amo”.
- Mas o que está acontecendo?
- Ai... é difícil de explicar.
- Quer tentar?
- Podemos deixar pra outra hora?
- Talvez.
- Podemos só ficar juntinhos sentados no sofá assistindo desenhos e filmes? Namorando um pouquinho?
Ele desarmou.
- Ok! Tudo bem. Vou pegar algo para comermos. Você não liga a TV e coloca no que quer ver?
Ela olhou para aquele rack, cheio de fios atrás. Viu-se sendo arremessada pela sala por um grande choque.
- É... amor... eu... Você não faz isso enquanto eu acho umas coisas na mochila que quero te mostrar?
- Ahn... tá bom...
- Ah! Não traga nada de comer que a gente possa engasgar... Estragaria o clima né... Ah! E nem que a gente possa se cortar!
- Meu deus! Você estão TÃO estranha! Mas tudo bem.
Fingiu procurar algo na mochila, depois, quando ele se foi, deixou-a ao seu lado, no sofá.
- E aí, que queria me mostrar?
- Deixa pra lá, depois mostro. Vamos ver o desenho primeiro.
Não se levantou do sofá por toda tarde. E foi uma das melhores de sua vida. Sentiu-se calma, aquecida, amada e, por alguns momentos, até mesmo segura. Sim, era por aquilo que tudo estava acontecendo. Por aquilo que estava passando por tudo isso. E dormiram os dois, abraçados no sofá. Acordou no dia seguinte, como se tivesse nascido de novo. Mal sentia a dor nas costas que objetivamente sentiria. Ânimo e disposição! Nada mais poderia abatê-la! Entendeu que tinha um motivo para enfrentar tudo. Ele foi trabalhar e ela foi para casa. Altiva e confiante. Andava pela rua a passos firmes.
Tão distraída. Tropeçou com ênfase, racharia a cabeça na guia da rua não tivesse saltado uma almofada de seu casaco. Quando viu, tinha enroscado os pés em uma cueca, caída de um lixo tombado na rua. Mas se morresse naquele momento, percebeu que não seria mais tão estúpido (embora só ela soubesse que não), morreria amando e por amor. Parece piegas e senso comum, mas existe outra forma melhor de encontrar a morte senão no amor?
A partir dali soube que não morreria mais. Pelo menos não naquele momento e não pela maldição. Passou por balas (e pedras) perdidas, objetos que caíam de qualquer lugar, caiu e se levantou, engasgou com amendoim, mas escorregou na casca de banana, caiu de costas e o cuspiu. Acidentes de carro, moto, bicicleta, triciclo de criança (!). Um pedaço de avião que caiu. O pedalinho afundou no meio do lago. Um quero-quero nervoso errou seu olho e acertou um tronco de árvore.
Todos aqueles eventos a assustaram, mas mal teve a ajuda daquele misterioso efeito de seus desenhos para escapar disso tudo. Simplesmente não seria mais estúpido morrer de qualquer uma dessas formas e quase tudo desviou dela. Tá certo que a materialização de um capacete e de um snorkel foi útil quando estava soterrada por uma carga de balas de goma de um caminhão que tombou após errá-la. Não tinha como pensar que seria muito estúpido morrer sufocada daquela forma!
Mas enfim, aquela amaldiçoadora ainda estava a solta por aí! Precisava fazer algo! Ficou de plantão em casa, no fim do último dia da maldição. Ela deveria aparecer por lá para certificar-se que o que fez tinha dado resultado. Meri ficou no escuro, aguardando-a. Na mão, uma caixa de giz de cera com os quais poderia desenhar em quase qualquer superfície e algumas folhas de papel. Eis que a mulher apareceu. Mesmo no escuro, agora a reconhecia, afinal tinha feito uma investigaçãozinha sobre aquela pessoa na internet. Uma ex-vizinha de seu namorado e que, “coincidentemente”, fazia várias atividades em comum com ele.
Meri desenhou uma corda e uma porta, saiu atrás da inimiga e laçou-a de surpresa. Ela escapou com facilidade inexplicável e acertou-lhe alguns socos na cara A moça era forte, mas pequena, poderia bater nela facilmente, mas ela ainda seguiria no seu pé. Então Meri baixou a guarda, deixou-se apanhar um pouco, até ser atingida por um chute que a projetou para alguns metros para trás (pouco pelo chute e mais pelo seu próprio impulso. Sentou, com cara de abatida, pegou um papel e um giz.
- Certo, tudo bem. Você ganhou, eu desisto. Pode ficar com ele. To aqui escrevendo que eu abro mão de tudo. Uma carta para ele, terminando, que você mesma pode entregar.
- Como é?
- Isso. Veja. - jogou a folha para ela, com relaxo e pouca força.
Quando ela foi pegar aquele papel, atirou outro, sob um de seus pés, quando ia pisar. Um buraco abriu-se no chão. A vilã ficou equilibrada em um só pé à margem, mas acabou caindo.
Meri correu e puxou o papel, o buraco sumiu. Sentou, respirou e colocou o papel novamente no chão. O buraco não muito fundo. A moça, de pé, quase alcançava a borda.
- Desiste?
- Jamais!
Meri fechou a abertura de novo e voltou a abrir após umas duas horas. A prisioneira estava sentada no chão, um pouco sufocada.
- Olha só. Não sei quanto tempo esse buraco vai ficar existindo, não sei se tem jeito do ar entrar, não sei o que acontece se a folha rasgar ou o desenho apagar. Você quer arriscar? Ficar presa aí até sei lá quando?
- Nunca vou perder!
A heroína fechou o buraco de novo, desenhou dois grandes cilindros de oxigênio e jogou para ela. “Seja econômica”. Dobrou o desenho do buraco e o enviou, pelo correio, com as orientações para resgatar a moça e ensinar-lhe alguma coisa sobre amor, para um templo budista no Tibet.
E assim Meri teve seu caminho livre para ficar com seu amor. E foram felizes! (não digo para sempre, pois sempre é tempo demais! Se não forem mais felizes algum dia volto aqui para contar a história)

20.11.10

A história da menina que tinha medo de morrer de forma idiota 2

(Continuando...)

É a famosa sinuca de bico! Se correr o bicho pega! Se ficar o bicho come!
Foi para casa. Escreveu um testamento, dava destino a cada uma de suas obras de arte, cada um de seus desenhos, a seu computador, a seus DVDs e dava uma série de recomendações a seu pai sobre o cuidado com a casa e com a cachorra.
Ideia! Sentou e começou a desenhar. Afinal, o que poderia acontecer se ela não saisse do seu quarto a semana inteira? Pois então ficou ali.
Foram horas ininterruptas. Tentava não pensar, mas quando era quase onze da noite foi olhar para o que já tinha feito. Morte, morte, morte. Diversos personagens seus estavam morrendo de forma estranha! Desesperou-se! Solto um "ahhh" angustiado, pôs as mãos no rosto, deles ao cabelo, sacudiu a cabeça e levantou jogando longe a cadeira. Maldita! Como isso podia ter acontecido? Socou a parede! Então viu os desenhos, de canto de olho, no chão. Pegou de volta a cadeira e voltou a desenhar. Afinal, outras coisas também poderiam acontecer, de forma tão bizarra quanto, a ponto de salva-la daquelas situações!
Seu lápis e sua borracha correram de forma tensa, intensa. Eram múltiplas formas! Em cerca de vinte minutos já havia desenhado várias delas. Olhou para tudo. Estava horrível! Vários traços mal feitos, apagados falhos, proporções ruins, falta de sombras, falta de cores.
Onze e vinte!
Tinha mais 40 minutos de segurança! Ainda dava tempo de terminar! Pegou aqueles desenhos e foi para fora! A pé jamais chegaria a tempo. Estava perdida! Não sabe mais dirigir, não sabe se achar. Sentou e chorou. Onze e trinta e cinco. Tinha que se despedir! Poderia morrer, mas não sem ao menos vê-lo uma última vez! Assim não poderia. Saltou, pegou a chaves do carro e saiu. Quando deu-se conta estava a 140 quilômetros por hora. Avenida vazia!
Onze e cinqüenta parou na frente da casa dele. Nem sabe qual caminho fez. Não o faria de novo! Só estava lá. Bateu à porta nervosamente. Alguém apareceu à janela. Pouco tempo depois a luz se acendeu e ele apareceu, com um sorriso, cara amassada de sono e olhos de quem não está entendendo nada.
Ela o abraçou com força! Ele a puxou para dentro de casa e fechou a porta. Ela o beijou longamente. Era impossível magoa-lo! Não seria capaz de falar nada. Ele a sentou no sofá.
- O que está acontecendo? O que houve?
Meri ficou sentada olhando para ele. Incapaz de dizer qualquer coisa. De repente veio a voz ácida de um amigo seu:
- Idiota! Ele vai sofrer mais com você morta do que com você viva!
- Você tem razão... - disse tristemente.
- Tenho? Do que?
- Ahn? Disse isso em voz alta?
- É... disse... Você está muito estranha! O que quer me falar?
- Eu?
- Não... o padre! - respondeu fazendo uma careta e rindo.
Ela não riu. Ele fechou a cara. Normalmente riria.
- É... desculpa.
- Não tem nada. É que eu to com um problema.
- Me fala.
O relógio começou a badalar a meia noite. Uma, duas, três...
- Terminar - disse com a voz fraca
Quarta, quinta...
- O que?
- Eu preciso...
Sétima, oitava...
- Com...
COVARDE! - Gritou tão alto uma voz em sua cabeça que ela até tampou os ouvidos!
- O que?
Décima.
- É...
Décima-segunda.
- Nada. Desculpa. O problema está resolvido.
- Ahn?
- Nada! Já disse! Vai dormir. Te amo!
Ela o beijou intensamente e saiu. Ele ficou parado, sentado, tentando entender o que se passava.
Meri, foi para o carro de cabeça baixa. Arrasada. Passa um caminhão. Ela abriu a porta do carro e ouvi uma forte batida contra o vidro da janela, trincando o mesmo, no exato momento em que estava abaixada para sentar. Uma pedra foi espirrada pela roda do caminhão, rota, sua cabeça.
Entrou e fechou a porta. Pânico! Estava começando! Mas como tinha sobrevivido? Respirava rápido. Lembrava dessa cena... Seus desenhos! Pegou os papéis dobrados que estavam em seu casaco. O carro foi ficando quente e foi sendo tomada por uma sensação de falta de ar. Abriu-os e enquanto os folheava os papéis, instintivamente abaixou o vidro. Uma golfada de ar levou uma das folhas para fora do carro. Saiu correndo para pega-la. E no segundo seguinte um carro esporte, vermelho, em alta velocidade bateu na traseira do seu e capotou sobre ele.
O desenho voava pela rua e ela estava de pé, em choque, ao lado de um pilha de veículos que não chegava à sua altura. Sua mão ainda tentava pegar a porta, agora já alguns metros à frente, para fechá-la.
A folha pousou na calçada do outro lado da rua. Meri olhou para um lado, para o outro, atrassou correndo. Pegou a folha. Nela estava retratada exatamente essa cena após o desenho dela sendo esmagada dentro de um carro parado, por outro carro.
As luzes das casas da rua se acenderam. Ela a desceu rapidamente, sumindo de olhares curiosos.

Então... ainda continua...
Vamos seguindo assim?

13.11.10

A história da menina que tinha medo de morrer de forma idiota

Era uma vez, há não muito tempo atrás, uma moça muito corajosa. Buscando ajudar seus amigos, ela já pulou em lagoa sem fundo, que terminava em cachoeiras sem fim, mergulhou sem pensar duas vezes. Nadou para um lado e para o outro. Atravessou a grande quantidade de água sem se intimidar, enfrentou a correnteza e lutou contra as grandes serpentes que viviam nas margens. Tão escuras quanto o lugar onde moravam, essas serpentes eram mais grossas que canos, capazes de engolir um boi inteiro! Comiam todas as criaturas pulavam naquela água. Eram preguiçosas, ficavam esperando que suas presas afogassem, cansadas de tanto lutar contra as águas! E então, surpresa! A moça nadou! Nadou e nadou! E quando viu as cobras, foi contra elas! Atacou-as sem piedade! Espantadas que estavam, não conseguiram reagir! Foram enforcadas em seus próprios rabos.
De uma vez salvou três amigos. Salvou-os de suas vidinhas sem emoção, afogando em seus esforços!
Outro dia, foram bandidos que entraram em sua casa. Seu pai, bravo e temperamental, reagiu, mas foi nocateado pelos meliantes! Ela esperou, foi amarrada. Não iria reagir, era perigoso. Mas começaram a ameaçar matar seu pai! Começaram a pegar seus desenhos, amassá-los de qualquer forma para coloca-los em uma mochila. Foram para a cozinha, ouvia-se como quebravam as louças e resfatelavam-se de comidas deliciosas que estavam na geladeira. Era coisa de mais, mesmo para ela!!
Ela se levantou, soltou-se do nó. Amadores! Furtivamente chegou à cozinha. Que nojo! Que sujeira! Comida e cacos no chão, muita sujeira na pia e na mesa... Comentavam, "o que a gente vai fazer com velho?", "tem que apagar né!" O sangue ferveu. Ela avançou em um deles. Deu-lhe um soco no rosto. Empurrou. Bateu com a cabeça dele na pia. O corpo caiu mole, ensangüentado. Os outros dois pularam nela. Antes que conseguissem a derrubar, ela quebrou o nariz de um, mordeu o outro até quase tirar um pedaço do braço! Mas eles eram maiores e mais fortes, estavam bastante machucados mas ainda assim conseguiram segura-la e amarra-la de novo. Amordaçaram-na e a jogaram na piscina. Tolos! Esperavam que ela se afogasse! Mas não essa moça! Ela já tinha aprendido a nadar com as serpentes. E... serpenteou... Saiu da piscina! Mesma amarrada! Sorte! Contrariando as ordens do pai (sem querer é verdade, ela é meio distraída), esqueceu as chaves da caminhonete no contato! Subiu, ligou a caminhonete e ficou esperando. Um dos bandidos saiu para colocar as coisas no carro que eles também iriam roubar! Ela o atrapelou! Quando o outro saiu para ver o que estava acontecendo teve o tempo apenas de ver a cabeça da moça. E caiu nocateado! Ela salvava o dia novamente! Seu pai, sua arte, mas a cozinha e sua comida já estavam destruídas... paciência... A fúria que a tomou só passou quando viu dois indo embora de ambulância o terceiro sendo colocando estupidamente dentro do furgão da polícia. Sorte deles que o socorro veio rápido!
Bom, mas não disso tudo que se trata essa história. Acontece-se que essa intrépida moça tinha um medo! E teve que dar de cara com ele!
Por muito tempo ela não namorou. Mas um dia ela conheceu um rapaz. Formoso, inteligente, gostava de desenhos animados e Engenheiros do Hawaií! Foi assim que a paixão lhe acometeu. Também não havia como não se apaixonar por ela. Introvertida, mas de humor sagaz. Longos cabelos compridos, cacheados, escuros, contrastavam com seus olhos cor de mel. Quase atlética, só não o é, por pouco, devido aos churrascos constantes.
O amor mútuo nasceu e cresceu. Um dia eles começaram a namorar. Era um sábado de noite. Domingo de tarde, quando saía da padaria, uma jovem veio-lhe abordar. Magricela, loira, franzina, com roupas escuras.
- Ele não poderá ser seu! Não será! Você tem que larga-lo hoje! Senão, daqui para sete dias você morrerá! Morrerá de forma estúpida! Será patético!
Riu de forma estranha e saiu correndo. Nossa heroína levou 1 minuto para processar o que estava acontecendo! Quando foi atrás, ela já tinha sumido após virar uma esquina.
Nossa! Uma semana! Terminar estava fora de cogitação, mas em uma semana ela morreria deforma estúpida! Quem era aquela pessoa? Como poderia ser tão cruel? E como sabia do pior de seus medos?

(continua...)

29.10.10

Rapa da minha área!

Estavam os quatro jovens ali, comemorando. Não vem bem ao caso o que, não é disso que se trata. Fato foi que foram a um mercado, compraram uma bebida forte e barata, sentaram naquelas cadeiras de ferro, pintadas em branco, com diversos pontos de ferrugem, assim como a mesa. Pediram uma porção de torresmo. Não podia ter cardápio mais insalubre. E estavam os quatro ali bebemorando algo.
Dois homens, um com cabelos compridos lisos, densos, ásperos, rosto oval, porte atlético com uma pequena barriga. O outro mais alto, cabelos não tão compridos, mais volumosos, ameaçando cachear. Ambos riam soltamente. Duas mulheres, da mesma altura, ou próximas. Uma de cabelos muito longos, muito cacheados, de roupas tão fechadas quanto sua risada contagiava e ecoava no ar. Tantos gargalhos por causa da quarta personagem. A moça de rabo de cavalo, castanho, sem dúvida não era sedentária, mas talvez os risos que provocava que a mantinham em forma também!
Ela falava alto, articuladamente. Piadas? Não! Histórias! Sempre inéditas, construídas ali, na hora. Sem dúvida que já tinham seus construtos pré-prontos, mas qual incorporava naquela noite era peculiar! Uma sátira histórica, um francês, judeu, de educação nazista. Não era falta de respeito com a história ou com o sofrimento alheio, apenas a expressão de uma mente criativa em uma cena inusitada.
- No sê o que facer – dizia – Mamã e judii, papá e nascista! Malllditos nascitas! Malllditos rudeus!!
Enquanto as reflexões daquele ser em crise se desenrolavam, o assunto chamava a atenção da mesa ao lado. Um homem negro, não lembro muito bem dele, porque em certo momento ele desapareceu e não teve influência nenhuma no que se desenrolou em seguida. Uma mulher, deveria ter seus trinta e tantos anos, já estava bêbada, conversava já desarticuladamente. Não havia ninguém sóbrio naquele lugar? Franzina, cabelos curtos, face emagrecida. Olhos negros perdidos que passaram a fintar aquele grupo inusitado conversando. Seria impossível sequer supor o que se passava naquela mente alcoolicamente transtornada.
De repente ela se levanta, caminha lentamente para a mesa ao lado, abaixa-se de cócoras à quina da mesa, entre duas das cadeiras. O grupo silencia. Ela põe a mão na mesa, apoia o queixo fino na mão magra, acena um sim com a cabeça e erguendo do dedo indicador direito diz, vagarosamente:
- Vocês estão falando da minha vida... - fica em silêncio um tempo. Acena outro sim com a cabeça e repete: - Vocês estão falando da minha vida.
Põe a mão no queixo e a retira com força, levantando em seguida e voltando ao seu próprio copo, na mesa ao lado. Os quatro se entreolharam, levantaram sombrancelhas, viraram mãos, com faces de “o que foi isso?” e girando os dedos na cabeça, como quem diziam “louca coitada!” Um dos rapazes acena desdém e eles continuam a conversa totalmente non sense.
Então, finalmente, o álcool acabou, a porção de torresmo acabou, sendo o dinheiro suficiente apenas para pagá-la. Os quatro devidamente bêbados, diriam que teria sido festa digna, extremamente divertida! O rapaz dos cabelos lisos recolheu as moedas e foi pagar o aperitivo. Assisti de camarote! A moça magra levantou-se de um salto e chutou o bunda deste moço quando o mesmo voltava a seus amigos. Não pareceu ter doído, mas ele virou-se totalmente sem reação, sem entender o que estava acontecendo, etilicamente letárgico. Os três companheiros de copo levantaram-se. A mulher gritava:
- Rapa da minha área! RAPA DA MINHA ÁREA!
A moça de rabo-de-cavalo foi confrontá-la.
- Que foi? Essa praça não é sua não!
- Filha da puta!
- Filha da puta é (pausa) a SENHORA!
Singular! O rapaz de cabelo-quase-cacheado interpôs-se entre ambas no momento em que iriam começar a se bater. Com a mão no tórax de cada uma via as duas debaterem-se em palavrões! Uma com um linguajar repleto de gírias, a outra quase formal. Enquanto isso a outra moça estava no chão, sentada, rindo tanto que simplesmente não conseguia reagir a nada. Quase rolava de rir. O chutado fazia posições marciais, embriagado demais para tomar alguma atitude! A cena surreal pareceu durar uns 5 minutos!
- Vagabunda!!
- Vagabunda é a senhora TUA MÃE! Deixa ela comigo! Vou te quebrar!!!
- Cara, tira as meninas daqui!!
- U! Uh!
- CARA! Se mexe PORRA!
- U! Uh!
- FILHA DA PUTA!
- Levanta sua loca!
- (gargalhadas) Nã...o com...sigo... (gargalhadas). Minha... barrrrriga dóóóiiii (gargalhadas)
Quatro ou cinco outras pessoas assistiam perplexas, igualmente imóveis!
A distância entre as duas combatentes já era quase nula, quando finalmente chegou uma senhora e carregou a magra embora. Ninguém viu para onde. A cena destencionou-se de súbito, os quatro gritavam uns com os outros e davam risadas.
- O que foi isso?
- O que foi isso?
Sentindo o momento mais tranquilo foram rápido para o carro. Pareciam levemente assustados apesar da comicidade da situação. Um pressionava para que os outros agilizassem-se. Quando estavam entrando no carro a mulher aparece novamente. Na janela de uma casa ao lado da praça. Parecia um leão enjaulado. Eles entraram como um raio no carro e sumiram!

18.10.10

Desconfiança do Vazio 2

Injustiça fazer meus raríssimos leitores esperarem mais de uma semana para o término de um continho de nada... Desculpem. Quem dera eu ter o talento e a oportunidade de viver apenas do escrever. Atividade ingratamente reconhecida nessa país... Bem, quando o trabalho e a pós permitirem volto com mais alguma coisa. Espero não demorar uma semana novamente.


Nada neste saguão de entrada. As únicas cores eram as dos vitrais da porta de entrada. Corredores vazios. Um para frente, um para cada lado. Bloqueados por portas de madeira, pintadas de branco, pareciam ser de compensado. Droga. Deve ser para frente. Agora penso, porque raios achei que era para frente?
A porta estava aberta. Outro corredor. Branco. Portas nas duas paredes, várias, indistintas. Um homem de feições emagrecidas estava sentado em um banco de madeira, tipo de praça de cidade pequena. Seu tronco balançava para frente e para trás. Cabelos raspados, cuja aspereza de seu crescimento relevava uma meia idade grisalha. Pois, não tivesse visto isso, arriscaria dizer ter idade para uma cabeleira inteiramente alva.
- Senhor?
Ele continuou balançando.
- Senhor? - encontei-lhe no ombro.
Parou por alguns segundos. Ergueu os olhos. Quase caí de costas. Era um olhar tão vazio! Tão vazio! Por um momento senti que mergulharia nele, ou seria tragado para dentro. Afastei-me. Ele continuou a balançar.
Por de trás de algumas portas ouvia batidas, gemidos, às vezes gritos. Um homem passou por mim. Carregava baldes. Tentei falar-lhe, não deu tempo. Parece nem ter notado minha presença.
Ao atravessar a porta seguinte (semelhante à anterior) saí em um grande salão. Algumas pessoas andavam aleatoriamente, arrastando os pés, quietas, outras falavam sozinhas. Alguns assistiam televisão. Outros estavam sentados a mesas. Um parecia jogar damas sozinho. Sim! Quatro pessoas de jaleco branco. Deviam ser funcinários. Eles me ajudariam, sem dúvidas. Dois estavam sentados a um balcão olhando para o nada, uma estava à janela, olhava para algo do lado de fora (será que procurava o nada que não habitava ali?), outro folheava uma revista (no máximo estaria olhando para as figuras)
Quando dei dois passos para dentro um homem começou a gritar.
- Quero cigarro!
Algo ainda existia ali dentro dele! O cigarro!
- Quero MEU cigarro!
Um enfermeiro levantou-se e a enfermeira atentou-se. Ambos foram na direção do rapaz. Altura mediana. Cabelos muitos pretos, revoltos. Barba bem aparada. Rosto quadrado. Descrição toda que compunha de forma estranha com aquela bata de interno que estava usando, sobrecimada por uma jaqueta preta.
Quando os dois se aproximavam, ele subiu no sofá, espantou outros pacientes. Olhou na minha direção. Olhar profundo. Decidido? Esperançoso? De socorro? Pulou por cima da mobília no momento exato em que seria apanhado. Correu pela sala derrubando pacientes, cadeiras. De repente estava sobre mim. Segurou-me pelo colarinho, quase ergueu-me e gritou:
- DÁ MEU CIGARRO! POR FAVOR!
No momento seguinte eu era puxado pela frente. Não dava para entender muito bem o que estava acontecendo. Ele se debatia. Uma mão não largava minha camisa. Segurou-a com intensa força, enquanto era puxado para trás por dois homens de branco. Ao tentar se libertar dos homens segurou-me nos ombros. Por um segundo olhou-me dentro dos olhos. Desespero! Meu? Dele? Atrás da retina havia algo além do vácuo! Cada um foi puxado para um lado. Dois botões da camisa arrebetaram. A mão dele escorregou e no que se corpo oscilou para trás, seu braço foi pego por um homem, que imediatamente injetou-lhe algo. Ainda pude ver o sangue escorrer-lhe antes de o levarem para o outro lado da sala e sumirem por uma porta enquanto eu ofegava, tentava recompor minha roupa e alguém tentava acalmar-me, desculpar-se, com uma mão em minhas costas e a outra em meu braço.
Aqueles olhos negros impregnaram-se em minha córnea! Não vi para onde fui conduzido. Apenas vi que fui colocado sentado em um poltrona confortável. Dada-me água com açúcar. Na minha frente uma moça, formalmente vestida.
- Apenas queria entregar isso.
Entreguei o envelope. Ela o abriu, viu do que se tratava (o que seria?) e agradeceu. Pedi pela saída. Ela indicou-me, oferecendo-me milhões de desculpas etc. Andei por um corredor, no qual passei pela porta em que entrei. O homem com os baldes trancava a porta de vitrais. Ao terminar o corredor saí na recepção, cuja porta de entrada era na lateral do prédio mais próxima da guarita.
Bom... foi assim que conheci aquele prédio. Não entro mais lá nem por pagamento. É impressionante como é tudo vazio. A grana, as paredes, os pacientes, os funcionários.... Vazio.... Mas naquele homem, naquele que entrou em minha alma, talvez para que eu visse a dele, nele havia algo trancado lá dentro, pedindo para sair.
- Impressionante. Realmente acho que não se trata alguém trancafiando assim.
- É! Chegamos.
- Quanto ficou?
- Vinte e sete. Pode dar esses vinte e cinco, está ótimo. Boa viagem apra o senhor.
- Obrigado. Tudo de bom para o senhor. Ah! Cobrou essa bagunça daquela a quem fez o favor?
- Estou indo lá agora... vai ficar um pouco caro! Se é quem me entende...
- Ah! Ok! Boa sorte.

8.10.10

Desconfiança do Vazio

bom... semana muitíssimo conturbada, indo de excesso de trabalho até destruição de um teclado de R$300,00!!! É de chorar!!



Não sei porque justamente eu tinha que ir àquele lugar. Ele é estranho. Dizem que mal-assombrado. Isso é uma bobagem, mas é verdade que paira algo muito anormal ali. Passei com o táxi na frente pela manhã. Que imagem! Um prédio com altura para uns 4 ou 5 andares, mas parecia ter apenas dois. Seis pavilhões interligados pelo o que parecia ser um corredor. Fachada de construção antiga, pintura velha, desgastada, manchada, mal-cuidada. Na frente um comprido jardim, com grama e um ou outro arbusto. Nenhuma pessoa. Vazio. De fora só é possível ver o guarda que regula a entrada de carros, mais ninguém.
Teria que levar o documento para lá pela tarde. Passei o dia pensando naquele lugar. Nas pessoas que lá estavam internadas. Como seriam? Loucas, é o que dizem. Devem até ser perigosas! Para ficarem trancadas assim... Nunca conheci alguém que tenha trabalhado em um lugar assim, ou sido internado. Será que alguém sai de lá?
Almocei distraído. Sem perceber direito o que comia. João estava comigo.
- Bah, onde tu tá hoje?
- Perdido... tenho que levar um documento naquele hospital
- O de gente doida?
- Esse...
- Bah...
- O quê?
- Eu não iria lá não.
- Ahn? Por quê?
- Tchê! Parece que não sabe! Tem uns guris perigosos por lá! Doidos! E se eles resolvem te pegar?
- Quem resolve me pegar? Tu que tá louco!
- Os doidinhos ué!
- Eles ficam trancados lá?
- Não sei! Talvez seja o mais seguro a fazer!
- Mas aí como é que melhora trancado?
- E tem jeito de melhorar?
- Deve ter né! Ninguém fica doente o resto da vida!
- Diz que o avô da minha vizinha morreu doente assim! Diz que via coisas, que batia nos guris, chegou a sair pelado na rua...
- Que triste.
- Ah! Acho que nem sofre tanto assim não! Eles nem sabem o que estão fazendo!
- Talvez.
- Enfim, eu não iria e se eu fosse você, menos ainda!
- Por quê?
- Vai que os médicos resolvem te prender lá dentro também!
- Pára!
- Sabe que a diferença entre o médico e o paciente desses lugares é só quem é o dono da chave né?
- Porra, só vou entregar um documento e sair. Não tem erro!
- Boa sorte.
O tom fúnebre do "boa sorte" foi irritante demais! Fui embora calado. E agora? É... porque não tem jeito! As coisas que aquele infeliz falaram ficaram se rebatendo na minha cabeça! Ser perseguido. Apanhar. Ser preso.
Entrei no carro. Olhar estatelado para o volante. Nem saberia dizer quanto tempo fiquei ali perdido em pensamentos. Pensamentos perdidos.
Tentei ligar para a causadora de tudo isso. Aquela que pediu-me esse favor a quem gentilmente cedi. O que um homem não faz por uma merda de par de olhos azuis e uma voz carinhosa? Impressionante como os celulares ficam convenientemente desligados ou fora de área em momentos estratégicos!
Cheguei pelo outro lado da avenida. Tem um córrego entre as pistas. Uma lanchonete de frente ao hospital. Que lugar mórbido para se comer. Parei ali, pedi uma garrafa de cerveja. Parece que eu precisava tomar coragem. Doidos, loucos, preso, ficar preso. Violência. A garrafa secou em dois tempos. Secou. Precisava resolver logo esse assunto. Quanto mais demorava, mais dinheiro perdia. É isso! Paguei a conta, manobrei o carro e fui obstinado à guarita.
- Preciso entregar um documento. Posso entrar com o carro?
- Pode.
Guarda gordinho. Olhou-me de esgueio. Desconfiado. Abriu a cancela como se olhasse para o nada. Entrei, parei o carro em uma vaga perto da entrada. Silêncio.
Janelas um pouco opacas. Ninguém nelas. Grana verdejante, brilhante. Ninguém nela. Mesmo os passarinhos estavam muito calados. Uma porta grande, pesada, alta, toda decorada com vitrais, mas com o verniz e a pintura bastante gastos. Foi preciso algum esforço para abri-la. Um corredor, branco, corredores transversais, brancos. Ninguém ali. Onde estão todos?

(continua...)

27.9.10

O Velho e o Cigarro

Uma pausa nos textos de influência cearense. Outra hora eles voltam (ou não).


Fazia um ano que o rapaz fumava. Começou com os amigos. Na casa de um, na casa de outro. Foi aprendendo os macetes. Aprendeu a tragar, a enrolar, a disfarçar o cheiro. Por fim começou ele mesmo a comprar. Não sabia de onde vinha. Uma amiga era a intermediária. Não fumava todo dia, mas tinha dia que se fazia útil.
Preferia depois das provas. Quando viaja também levava um pouco escondido. Vários truques. Sempre soava frio, mas achava que valia a pena. Poder fumar contemplando algo esplêndido, não cotidiano. Era literalmente uma viagem.
Também tinham os compromissos familiares. Aí precisava ser muitíssimo cuidadoso. Quase todos eram caretas demais para suportar esse dado de realidade. Seria o caos familiar. Não que as coisas andassem às mil maravilhas e ele fosse estragar tudo. Na verdade estava uma merda e isso seria só mais uma coisinha E até era por isso que se isolava para fumar. Era muito conveniente que a casa seus avós fosse comprida. Vejam não era grande, era comprida. Assim, se isolar no empoeirado quartinho de entulho nos fundos, garantia uma boa distância da sala, com a interposição de algumas paredes e portas. E ainda tinha uma vantagem, tinha uma flor danada de cheirosa naquele quintal!
Iam todo final de semana para a casa dos avós. Seu pai dizia que era aquilo que mantinha a família unida. Seu avô estava sempre carrancudo e mal humorado. Dormia mal, mais apropriadamente, não dormia. Não gostava muito dos remédios que era obrigado a tomar. Anti-hipertensivos, analgésicos e calmantes. De vez em quando chegavam e percebiam que o velho estava dopado, sonolento. Já dava para saber que a semana tinha sido terrível! Isso acontecia quando o casal de idosos brigava muito. Ela, já exausta, colocava um comprimido a mais de calmante na comida dele. Isso lhe dava uma noite (às vezes duas) e um dia de descanso.
Seu núcleo familiar também era conflituoso, mas as coisas pioravam no final de semana.
Todo sábado de tarde deixava as gerações antecessoras degladiando-se na sala e ia para o quartinho dos fundos. Enrolava, acendia, tragava... inalava... não a fumaça, mas tudo... principalmente aquelas flores...
Foi em meio a um transe desses que seu avô chegou. Tinha discutido com a esposa, com o filho, com a nora e saiu batendo porta, já farto da discussão. Afinal quem eles pensavam que eram? Atravessou a casa em seu passo manco, acelerado. Mas as flores giravam e seu arrastar de pés não foi ouvido.
Entrou explosivo no quartinho. Mentecapto! Fumando escondido! Escurraçou-o dali. Que fosse embora rápido, com resto dos parentes ingratos que atormentavam seu fim de vida! O rapaz saiu como um raio, tropeçando e derrubando as coisas. Para trás ficou o cigarro, que havia sido cuidadosamente apoiado no canto de uma mesa antes do repentino rompante cômodo adentro, e a mochila aberta, sobre o mesmo móvel velho de madeira escura.
O cigarro estava aceso. Seu odor agradava às narinas do velho ranzinza. Um cheiro de mato, uma lembrança do cigarro de palha. Quando jovem fumava para espantar os mosquitos que o importunavam enquanto trabalhava no roçado. Carpia satisfeito. Uma lembrança dura mais feliz. Sabia que aquele não era seu cigarro de palha, era molecagem do seu neto. Iria lhe dar um esporro mais severo, mas depois... Ali era ele, o cigarro, o cheiro de terra, de mato verde, de fruta no pé, de namoro na grama. Fumou. E sonhou acordado.
Jantou como fazia tempo não comia. A dor do joelho era mais leve. A esposa chegou ressabiada, não recebeu um carinho expressivo, mas um olhar tranqüilo. Foi suficiente para causar espanto. Ele não esbravejou. Ficou calado. E dormiu. A noite inteira.
Ao acordar a dor tinha piorado um pouco, mas conversava amenidades, era quase carinhoso. Voltou no quartinho. Nem mesmo com um neto se fazia isso, mas vasculhou a mochila dele, estava aberta ali mesmo. Encontrou uma bolsinha, dentro dela um pequeno frasco de perfume e um tijolinho de mato prensado. Confiscado para fins terapêuticos.
Isso já faz uns 5 ou 10 anos. O velho já passa dos meados de sua oitava década de vida. Parece bem disposto, parou de brigar com a esposa, ganhou peso e voltou a se cuidar. Fuma a cada dois ou três dias. Fez uma horta, com alguns fitoterápicos, esse está escondido ali no meio. Do neto não sei, mas parece que parou de fumar depois do esporro do avô. Ser chamado de "mentecapto" pelo rabugento parece ter-lhe causado um efeito devastador.


Sim! Esse texto é politicamente incorreto! Não, não é uma apologia a nada! Trata-se de algo que aconteceu, acontece, ou acontecerá, assim ou de outra maneira. Enfim... vida real. Moralistas to dispensando viu...

23.9.10

Casco e pôr-do-sol

Aquelas dunas já são mais antigas. Estão ali desde a sua meninice. Raras vezes ia de Jijoca até lá quando era criança. Agora vai todo dia. Vender coco, água, cerveja, refrigerante dão mais dinheiro e são mais interessantes do que caçar caranguejo no mangue.
Enquanto sobe a duna velozmente, lembra do quanto já teve a mão pega pelas patolas dos caranguejos. Vez por outra infeccionava. Também não queria que seus filhos crescessem na lama. Lama suja. Lama pobre. Lama de fome. Lama burra.
Um monte de gente estranha. Todos vem de longe. Alguns de muito longe. Gringos, é como os chamam. Um paulista uma vez o ensinou a falar algumas palavras em inglês. Ajudou demais. Agora até inglês falava!
Quatro horas da tarde quando começa a atravessar aquelas dunas. Dunas que são antigas. Dunas que já tem um mato, uma grama. E muitos espinhos. Lembra algum cenário desértico. Se fossem apenas os cactos estava bom, mas mesmo essa grama tinha espinhos. E ele sobe as dunas descalso! Não é um espanto? Simplesmente ignora a agressividade da natureza.
Sobe acompanhando uma manada de turistas. Branquelos. Com suas máquinas fotográficas poderosas. Chinelos. Tênis? Ainda assim mal conseguem subir, chegam ao topo esbaforidos. E depois, descem quase rolando. Chapéus e protetores solares. No fim da tarde?
Eles estão suando. Quase não suportam o calor e o sol, mesmo com o vento forte refrescando as sensações.
Já ele sobe pisando em espinhos, descalço. Face inalterada. O esforço da subida não muda sua expressão, tão pouco o fato de estar carrendo uma geladeira de isopor carregada de bebidas e gelo. E o sol? Aquele grande disco dourado. A estrela principal dos finais de tarde por ali. Para ele é um ator. Os turistas os coadjuvantes. Ele o espectador.
Pára junto à pedra furada. Não sabe o que os turistas veem de tão espetacular nela. Uma pedra. Em formato peculiar, é verdade. Mas uma pedra, como todas as outras que ali estão. Milhares delas. De toda forma é uma composição espetacular. E naquele meio ele transita leve, desapercebidamente. Suavemente oferece suas bebidas aos turistas. É a hora de ganhar o pão das crianças, cobra o dobro mesmo e todos eles têm dinheiro para pagar. De toda forma, não lhe cabe estragar a paisagem. Fica ao canto.
Hora de subir. Nos últimos minutos o vento fica mais forte na beira-mar. A areia machuca a frágil pele daquelas pessoas. Além disso o espetáculo é mais grandioso lá de cima.
É tudo por aquele momento. O sol causticante vai descendo. O mar o aguarda ansioso. Será sua morada pelas próximas 12 horas. Não é mais hora de vender cerveja. É hora de sentar e admirar. Senta em uma pedra, dobra as pernas expondo a grossíssima sola de seus pés. Um casco. Hipnotiza-se por alguns momentos. O verde azulado do mar, o laranja crepuscular, o azul-negro do céu.
Quando sai do transe percebe que quase todos já foram.
"Ei! Esperem! Nem esperam o sol se pôr!" Mas ele já se foi diriam alguns. E pensaram assim, aquela manada toda. Ele não. Ele sabe. Senta e espera. Como que por mágica o céu é inteiro pintado. São dezenas de tons de amarelo, laranja, vermelho e azul. Turistas burros.
Pacto refeito. Reverencia a natureza, ela recebe turistas tolos e estes dão-lhe o pão.

17.9.10

Vidas em areias

Partir com o barco dali era bom! Não era difícil arrastá-lo até onde a maré não alcançasse. Também não era difícil arrastá-lo até onde pudesse ir ao sabor das marolas. Tão pouco as ondas praianas dificultavam seu trabalho. Além do que, sempre teve sorte quando navegava paralelamente à costa até aquele ponto e depois avançava mar adentro.
Por isso tudo Francisco foi o primeiro a sair da vila de seus pais para fundar aquele novo lugar. Fundar porque outros vieram depois dele. O ponto em que construiu o casebre não era perto de fonte de água doce boa para beber, mas ainda assim algumas plantas cresciam por ali. Tinha paixão pelo cajueiro que vivia a alguns metros do fundo da casa.
A primeira construção era precária... foi a que o dinheiro deu. Madeira, trocos de árvores, barro, pedras. O telhado era de palha. Chovia pouco por ali. Mesmo quando chovia a palha dava conta de manter as coisas à salvo, poucas gotas escorriam para dentro.
Quando veio o terceiro filho foi preciso aumentar um pouco o casebre. A pesca farta deu dinheiro para que fizesse esse puxadinho com tijolo.
Dizem que fizeram alguma coisa com o mar lá para perto da cidade grande. A pesca rareou. Já eram cinco filhos. Trabalhava tanto que mal lembrava o nome da esposa. Era só "bem", ou "mãe".
Chegava cansado. A casa agora era um tormento. Ia pro centro da nova vila... Ali bebia um pouco de pinga. Depois bebia mais outro pouco. Ah! Tinha uma moça danada de bonita. Devia ter metade da sua idade. Sempre passava se insinuando por ele enquanto bebia ali, sentado debaixo do coqueiro, na frente da igreja.
Seus amigos de trago diziam que ele era doido. Que tava com o diabo no corpo. Todo mundo concordava que a menina era linda. Melhor assim. Burro de carga, mas com bom gosto.
Saía do coqueiro e ia para debaixo do cajueiro (é uma árvore baixa, mas ele limpou um espaço para que pudesse ficar). Olhava abobado aquela casa. Era dele. De dentro saía a esposa dele. Os filhos dele brincavam em volta. Brincavam com a areia. Agora tinha mais areia do que quando a construiu, até sobe as paredes. Eles eram tão inteligentes, tão sabidos.
Tinha preguiça de trocar o teto de palha. Motivo de brigas constantes com a esposa. Mas também para que? Que mal fazia um pouco de areia que caía de noite. Engraçado, não lembrava da areia passar quando fez aquele teto. Nem areia passava!
Sivirino, com quem bebia, reclamava que estava ventando muito. Bobagem! Sempre ventou muito! Por isso foram para ali! Mais vento, melhor para navegar. Mas agora o vento estava machucando mais, tinha muita areia...
Talvez...
Vez por outra o pároco juntava-se a eles. Pinga não era de Deus! Levava uma bolsa de couro com vinho para acompanha-los. Quando alguma crítica mulher temente a Deus passava dizia-lhes que se tratava de água. Estava cansado. Precisava pedir ajuda de mais mulheres para manter a igreja e a sacristia limpas. Principalmente a sacristia, era a pior. Esta ficava aos fundos da quadrangular igreja de alvenaria de torre solitária baixa. Mesma direção da casa de Francisco.
Ah! Aquela moça! Aquele vestido florido (um vestido de chita) dava movimento à sua bunda. Ao seu corpo esculpido e bem recheado. É! Ela olhava para ele! Toda vez.
Aquele dia todos foram embora. Estava muito escuro. Ele ficou bebendo a última dose sozinho. Quando levantou, alguém vinha apressadamente. Era ela! Foi-lhe oferecer companhia. Caminhar ao seu lado. Ela fez pouco caso! Pense! Fazendo charme agora! O vento chicoteou-lhes areia no rosto. Coitada, contorceu a face! Ele pôs-se entre ela e o vento. Cara a cara com aqueles lábios carnudos, aquele doce olhar que fitava envergonhadamente o chão. Não pôde suportar! Beijou-a! E ao beijar lembrou-se do vestido balançando quando andava à luz crepuscular. Levou-a a um canto entre casa e igreja e consumiu-a intensamente enquanto o vento castigava-lhes a pele por inteiro. A areia queria fazer parte da relação e dos corpos. Ao solta-la ela lhe olhou e o deixou confuso. Não sabia o que significava aquele olhar torto. Ela correu embora.
Foi para casa. E não pensava nela. Pensava na areia. Areia nos corpos, areia nos rostos, areia nos corpos, areia no sono, areia na casa. Ao chegar sentou-se do lado de fora e esperou amanhecer, sem tirar os olhos da parede leste. Tinha a impressão que durante a noite toda, de tempos em tempos, alguém saía brevemente da casa pelo o outro lado e voltava. A luz surgia, cristais de areia brilhavam. E que surpresa! Não estavam no chão, já estavam altos encostados à parede.
Escalou um coqueiro. Supresa novamente! O telhado estava coberto de areia! Se aquilo continuasse sua casa não iria suportar!
Correu à cidade, pegou a escada emprestada com o pároco e uma pá com Sivirino.
Quando voltou encontrou esposa e crianças. Estavam parados do lado de fora da casa, curvados, nitidamente cansados. Acordaram várias vezes durante a noite devido à quantidade de areia que caía sobre as camas. Francisco subiu e limpou o teto, enquanto madava a esposa limpar do lado de dentro da casa. Desceu e tirou toda a areia de junto da parede. Quando terminou, percebeu que já havia juntado um pouco mais.
Dias e mais dias... o sono cada vez mais difícil. Cada vez mais areia... seu espaço debaixo do cajueiro já não existia mais. Água com areia, comida com areia, pinga com areia.
Um dia voltou da pesca e encontrou um recado de Sivirino. Ordenou que não fosse à igreja. Iria encontra-lo em casa. Chegando em casa, o cajueiro já estava quase enterrado... as paredes suportavam grande carga de areia. Ao entrar viu suas coisas todas atiradas ao chão, nada das crianças, nada de sua esposa, tudo tinha sido levado. O vento soprou forte. O teto, já curvado, parecia o gargalo de uma ampulheta.
Venta forte de novo. Agora, da casa restam apenas as paredes.

14.9.10

Duna Encantada

Ninguém sabe como aquela vila foi parar ali. Como ela se formou? Quem foram seus primeiros moradores? Porque foram para lá e como pararam ali? Nem os mais velhos sabem direito. Tem só algumas hipóteses.
Sabe-se que apesar das algumas dezenas de casas, são apenas duas ou três famílias. Antes era uma só. Mas teve um povo que fugiu da seca no sertão e parou por ali. Ainda assim as famílias se misturavam.
Sabe-se também de onde veio Antônio Pedro. Seu pai era um dos pescadores. Acordava no meio da noite. Saía rápido para aproveitar o vento da madrugada. Voltava no fim da tarde. Sua mãe acompanhava o ritmo. Acordava ainda mais cedo. Preparava umas cacimbas com água, carne de coco... quando os tempos eram bons, às vezes até um pouco de carne de sol. As vacas viviam nos morros verdes próximos.
Tudo na casa existia por causa de sua mãe. Engravidou dele ainda jovem. O casal tinha aquela rotina fazia só um ano. Sua mãe quis chama-lo de Antônio, como o pai. Talvez fosse para sentir o marido mais próximo no dia a dia.
A circunstância do nascimento foi inusitada. Naquela época do ano a água doce próxima da vila ficava salgada. Precisavam buscar água nas lagoas mais no interior. Era preciso caminhar entre as dunas. As vezes os jumentos ajudavam. Certo dia, já tinha feito todo esse caminho. Estava à beira do lago enchendo as cacimbas maiores que tinha. Então Antônio começou a nascer. Suas águas desceram. A dor veio forte, aumentava de força e freqüência em pouco tempo. As outras mulheres que estavam perto acharam que não seria possível voltar com ela assim. Era melhor que a criança nascesse ali do que corresse o risco de nascer no meio da areia branca.
Pobre mulher. Em toda a sua força feminina suportou corajosamente a situação, mas não era capaz de permanecer de pé, ou de cócoras. Sentou sobre uma pedra que lhe fornecia perfeito apoio. Sua vizinha ajudou o parto.Sua avó, que era anciã muito respeitada, dizem que neta de um pajé muito poderoso dos antigamente, disse que o menino recém-nascido deveria ter em seu nome uma homenagem à difícil condição em que foi parido. Assim virou Pedro.
E vale a pena contar essa história pois não foi por causa dela que o lago passou a ser conhecido por lago do amor? E na época das chuvas era possível ir de barco até ele. E às vezes até barcos da capital chegavam por ali e iam até lá. Queriam vender e comprar. Ninguém entendia por davam tanto valor às roupas e toalhas que as mulheres teciam. Eram tão pobres, no comércio acabavam sendo vendidas por quase nada. Alguns voltavam sempre. Alguns até mesmo dormiam por na praia, acampavam e passavam dias. Iam embora e quando voltavam traziam mais uma ou outra pessoa.
Um ano o rio secou totalmente. Sobrou só o lago e a vala que conduzia sua água.
Naquele ano a chuva foi pouca. O rio não voltou. As mulheres iam todo dia até ele. Preocupadas. No outro ano a mesma coisa. As mulheres sentaram ao leito do rio e choraram. A estação de chuvas acabou de novo, o rio não encheu, os barcos não passavam mais e o lago ia secando.
A mãe de Antônio Pedro sempre o levava lá. Ele adorava ouvir a história de quando nasceu na pedra.O lago secou... os rios minguaram. A lama endureceu e até caçar caranguejo era difícil. Os cajueiros morreram, nada que plantava vingava. O gado emagrecia. Nem valia sacrificar os pobres bichos. Não tinham carne. Nem as vacas, nem os bodes, nem os jumentos. Sobrou apenas peixe e macaxeira.
As crianças adoeceram. Antônio, que não era rocha, sofreu e adoeceu. A vila sofreu. Mas ele queria comer e queria ouvir a história de quando nasceu, mas queria ouvir sentado na pedra. Se comida estava difícil naqueles tempos, sua mãe o pôs em um jumento e o levou até lá. Algumas mulheres foram junto. Dizem que a dita anciã, que há anos não saía da vila, foi também.
Ventava areia. A terra se mexia. As dunas se mexiam. Todas sentaram em roda em volta da pedra. O menino deitou ao lado dela. Ouviu a história, fechou os olhos olhando para um barco encalhado ali perto. Nunca mais os abriu.
Diz-se que elas colocaram o menino no barco. Diz-se que nunca mais se disse nada sobre Antônio. Alguém falou que Pedro se fez pedra. Talvez tenha sido a anciã. No ano seguinte choveu bastante. O rio voltou fino e desviou do lago, lá já tinham montes de areia e um barco encalhado. Ninguém mais sabe do barco encalhado. Certa senhora conta que tem uma duna que é encantada. Alguém diz que dentro dela tem um barco, mas ninguém mais diz de onde vem a pedra que segurou a areia ali. Sabe-se só que vultos de mulheres e uma criança passeiam por ela à noite.

10.9.10

Viajando...

Esse texto será distinto dos demais. Deve inaugurar, introduzir ou contextualizar uma série de textos ou cenas que se pretendem vir a seguir.
Fui parar no Ceará no começo desse mês. Antes do trabalho, muito justo um tempo para um descanso. Jericoacoara, terra dos ventos, vila de pescadores e... de kite e windsurf, restaurantes caros com cara simplicidade e pousadas que buscam reforçar o estilo de simplicidade e rusticidade praiana.

Para ir toma-se um transporte de Fortaleza pra Jijoca. Ônibus, vans, micro-ônibus. A cidade tem toda a simplicidade do interior do nordeste. A maior parte das casas é pequena, pintadas a uma só cor, nunca iguais dentre as vizinhas. A prefeitura pouco difere das outras casas, é maior, mas tem seu pequeno quintal com coqueiros. O hospital ou serviço de saúde local é igualmente de teto baixo, pintura pastel desgastada, diversas rachaduras nas paredes, algumas com remendos sem tintas. Com um grande contraste, ao lado deste equipamento social, o poder público se expressa no prédio da Câmara de Vereadores. É o único com generoso pé-direito, igualmente quadrangular como todas as outras construções, pintura nova. Nova também são as letras pintadas que identificam o edifício, serviço malfeito, cujas cores despegaram um pouco e mancharam a parede abaixo.
O acesso à vila só é possível sobre veículos com tração nas quatro rodas e os transportes coletivos são caminhões e caminhonetes adaptados. As caçambas são equipadas com banquinhos de madeira com algum estofamento. De madeira também são as coberturas, cujo aperto dos parafusos não são suficientes para impedir que balancem fortemente aos trancos dos buracos, areias e dunas.
A estrada de terra atravessa vilarejos de casas baixas, mal construídas, algumas abandonadas inacabadas e vegetação de arbustos, tingidos de areia vermelha, ora meio secos ora de copas verdes vívidas. Repentinamente a estrada de terra vermelha dá lugar à areia branca, em quantidade cada vez maior. Quando percebemos saímos do meio da vegetação para trafegar entre enormes morros de areias ondulantes, móveis, mutáveis.
A paisagem muitas vezes lembra um deserto, mas tem beleza indescritível. Beleza que se repete e se aprofunda nos passeios realizados nos dias subseqüentes.
O cotidiano da antiga vila de pescadores de Jericoacoara é surpreendente. A partir de umas 9:00 legiões de bugues se movimentam para levar os turistas para passeios a leste e a oeste da vila. O almoço já acontece no meio da tarde. No final da tarde acontecem promissões para admirar o espetacular pôr-do-sol a partir da Duna do Pôr-do-sol ou da Pedra Furada. No começo da noite a vila está marasmática. Todos dormindo? Não! Eis que pelas 22:00 os restaurantes estão lotados... E então... existem baladas, casas de música eletrônica, forró e reggae. Movimento? Só lá pelas 2:00 da manhã!Onde foram parar aqueles pescadores de vida pacata que dormem ao crepúsculo e acordam no começo da madrugada para avançar sobre o mar?
Alguns encontros foram marcantes, incomodaram e vão mobilizar algumas histórias. A visita à Velha Tatajuba enterrada pelas dunas cuja história é contada (ou seria vendida) pela anciã Dona Delmira. Aguardando o sol cair, em meio a muitos turistas e chicotes de vento com areia uma amiga de tempos antigos! Encontro inesperadamente inusitado. Eis que essa conta uma conversa com alguns estrangeiros recém-conhecidos. Falavam sobre as belezas do lugar e comentava-se que havia muitos turistas e moradores estrangeiros por ali. Ao que uma das pessoas interpela-a: “É! Aqui tem mais estrangeiro que brasileiro! Então a gringa aqui é você!” Exageros dele a parte, ela brilhantemente responde: “Devagar aí! Isso aqui é NOSSO!”.
E aí caiu a ficha! Paulistas, cariocas e estrangeiros eram os donos de tudo o que acontece em Jericoacoara. O esporte mais praticado na região o é por estrangeiros, uma aula custa mais de R$150,00. Um jantar pode variar de 20 a 60 ou até R$100,00. A estadia nas pousadas por uma média que R$80,00 por dia por pessoa.
E os pescadores e suas famílias? Trocaram a dependência dos compradores de sua pesca pelos empregos, muitas vezes não formais, subordinados a pessoas estranhas à sua terra e aos seus costumes e frequentemente até mesmo aos seus idiomas. Faxineiras, bugueiros, vendedores de artesanato (diga-se de passagem, obras que poderiam ser vendidas por uma centena de reais em São Paulo mal se consegue que sejam compradas por uma dezena), de coco, capturadores de cavalos-marinheiros para exibição, remadores de balsas, vigias.A condição de vida de muitas famílias melhorou? É quase indiscutível. Em compensação a desigualdade social vai a níveis estratosféricos, uma faixa de marginalidade cresce, meninos pedem dinheiro nos lugares onde os bugues precisam parar ou reduzir a velocidade para passar. E quem manda, no fim, são os gringos.
É o neocolonialismo... não se faz com exércitos, se faz com aculturação e submissão social e financeira.

27.8.10

Tantas coisas a escrever. Relatórios e mais relatórios. São tantas contas a prestar a tanta gente. O mestrado caminha a passos de tartaruga. E as histórias vão se acumulando em algum lugar. Por hora vamos a cenas... cenas que são histórias, quem sabe histórias em algum momento se concatenem.



Carro. Carro. Carro. Tec. Todos andam. Tec. Alguns param, outros não. Tec. Todos param. Algum não pára. Eventualmente ocorre a colisão. Alguns metros às minhas costas. Tédio, nunca vejo.
O menino chega com uma caixa de bala. O cego com o chapéu. O rapaz com uma toalhinha encardida. Todos sobre os carros tentando conseguir algum dinheiro. Toda a existência é praticamente a mesma coisa. Vez por outra tem algum evento extraordinário.
Noite. A lua mal ilumina. Homem cabaleia. A calçada é estreita. Roupas sujas. Um pouco rasgadas. Choro. Ela abaixa, fica de cócoras. Soluça. Anda tropeçando.
A moça levanta o vidro. Medo. Outro já acelera, deseprezo. Tec. Todos saem apressados. Medo. Alguns cantam pneus.
Silêncio. Apenas soluços. Cambaleios erráticos ao meio da rua. Sofrimento intenso? Passos insuportáveis. Ele cai, bem abaixo de mim. Tec. Um carro vindo. O homem estirado ao chão. Tec. A tempo.
O sujeito está sob o parachoque.
Gemidos. Soluços. Ele se apóia na roda. Ergue-se. Corpo quebrado. Sujo. Rosto lavado em lágrimas de dor.
Um senhor no automóvel. Ao celular. Um grito.
- Ah! Filha da puta!
Fecha o vidro. Rápido. Avança sobre o infeliz. Tec.
- Polícia! Assalto! Socorro!
Outros carros continuam. Olhares assustados. Movimentos bruscos. Correria atrás de mim.
- Vagabundo! Desgraçado!
O carro parte estridente. O homem fica jogado ao chão. Quase atropelado.
Um rapaz chega correndo. É quadrado. Farda engomada. Ombros largos. Pernas grossas. Cabeça quadrada. Nenhum cabelo. Pára a alguns metros do infeliz. Saca uma pistola. Segura com uma mão. Apóia na outra. Joelhos dobrados.
- Parado! Mostre as mãos! Vamos!! Mostre as mãos! Deita no chão!
Mas ele já estava caído. Mãos? Mal tinha corpo.
O policial avança sobre ele. Ligeiros e precisos movimentos. O corpo balanceia. Gira. Torce. De repente braços para trás. Algemas nos punhos.
- Macedo!
Grita alguém.
- Põe esse vagabundo na viatura logo!
O policial segura na corrente. Um segundo. O homem está de pé. Empurrão. As pernas alternam. Mecânicas. Somem abaixo. Um gemido. Portas batem. Pneus cantam.
O que será do infeliz agora?
Tec. Carro. Carro. Carro.

24.8.10

De causo em causo

Tenho passado por locais, passado por pessoas, passado por momentos.
Sabem, são coisas que merecem ser contadas!
Claro que também tem um quê da minha própria necessidade de escrever e de ser lido. Quem sabe meu exercício mental por aqui não ajuda a desentalar outras coisas a serem escritas e por aí vai...
É a aquele negócio, você só consegue correr uma maratona se correr todo dia!


- Posso me meter na conversa de vocês?
- Ahn?! É... Claro...
Hmmm Um senhor, careca. Sem gilete... podem-se ver brotos de cabelo branco! Uns 50 anos? Saliente barriga não engana. Todo dia uma cerveja. Hoje está com um copo de whiski em uma mão e um cigarro na outra.
Ela enrola, distraidamente interessada um cigarro de palha. Ação rotineira dos últimos anos que não demanda qualquer atenção. Vez por outra passa um desavisado... seria algo ilegal? Talvez ela não perceba os olhares, aguça minha curiosidade.
- É verdade! Esse negócio da proibição do cigarro é foda!
- É! Lá em São Paulo os fumantes foram jogados na sarjeta!
- E ninguém reclama! Estranho!
Ele já está na roda. Fuma tranquilo seu cigarro industrializado, o copo descansa no parapeito da lanchonete.
- Eu não quero nem saber! Ai deles se essa lei chegar por aqui! Respeito quem não fuma sabe, mas não venham me falar o que fazer ou não da minha vida.
Uma garoa. A brisa é demasiado fria. Se fosse ele eu estaria com bastante frio na cabeça. Um carro passa correndo, espirra um pouco de água. De dentro vem um calor. As pessoas amistosamente conversando? O calor de uma apetitosa refeição? Ou apenas o forno e a chapa?
- Essa coisa toda é bem difícil né!
- E vocês três jovens? Fazem o que?
- É... ele é cientista social, ela é enfermeira e eu sou médica!
Ahn? Alguma coisa está meio fora de ordem! Foi proposital! Vou espiar o brigadeiro do caixa da lanchonete para não dar risada! Brigadeiro grande, bonito. To gordo!
- E o senhor?
- Ah! Detesto meu trabalho! Aqueles babacas!
- Ahn?
- No meu trabalho só tem gente escrota, babaca, ridícula...
- Puxa...
- Acho que não veriam alguém morrendo do lado deles!
- Mas...
- Sensibilidade zero!
- É... no que o senhor trabalha?
- Mercado financeiro... Tudo uns bostas!
- Deve ser difícil.
Fico imaginando esse sujeito esganando um no trabalho. "Senhor fulano, pode pegar o...", "Não seu bosta!". Caramba!
- Eu queria mesmo era ser músico.
Acompanhei seu olhar para cima. Parecia estar tentando tirar notas do farfalhar das árvores.
- Sempre há tempo!
- Não é bem assim. A coisa fica bem difícil nessas situações. E não dá mais para praticar. Sabe que minha filha saiu de casa esses dias. Casou. Foi uma alegria. Disse, vai ser feliz minha vida e não deixe que os outros te digam o que fazer. E eu lhes digo, ninguém me diz o que fazer.
Todo dia de manhã ele acorda. Toma um xícara de café, pão com manteiga. Tontamente levanta-se... caminha até o espelho do banheiro. Cospe com raiva. Escova os dentes com força. Os dedos do pé se contraem. Ainda é quarta. Vai ter que encontrar aquele escroto. Está a um pingo de quebrar o nariz dele.
Arrastando os pés vai até a cama. Para alguns momentos de joelhos olhando para uma caixa de madeira que tem embaixo. De dentro dele tira um bloquinho verde escuro, esmigalha uns pedaços. Um pedaço de papel de seda. Enrola tudo em um cigarro. Guarda a caixa e deixa o cigarro respousado na mesinha de cabeceira enquanto troca de roupa. Veste o segundo terno da semana. Só tem dois. É bom que não lhe derrubem café novamente.
Respira fundo. Pega o cigarro entre os dedos. Acende com cuidado. Calmamente atravessa os quarteirões que o levam até o trabalham. Que o levam, levianamente leve a cada passo...
Essa noite vai tomar dois comprimidos a menos para dormir.