16.10.06

Para não esquecer - Faz 8 meses!

Sonho, contemplação e êxtase
16/2/2006 - 20:31:38

Bruno entrevista morador de comunidade ribeirinha




Bruno Mariani Azevedo

E no sétimo dia Ele descansou. E assim seguimos Seu exemplo. No domingo, o companheiro Marcelo arranjou-nos um barco, comandado pelo solícito Cipriano (já citado aqui) e fomos contra a correnteza, conhecendo o Juruá, o mais sinuoso rio do país. Sentado na traseira do barco, eu admirava a selva, ainda primitiva, intocada. Intocada, mas que estendia seus braços e tocava diretamente nossos corações, conversava com a alma e levava a estados de puro êxtase.

As árvores contavam histórias do lindo e sofrido povo do rio e mais, falava-nos também dos soldados da borracha de Getúlio e até mesmo dos guerreiros do ciclo da borracha do século XIX. Algumas anciãs que precisariam de 3 (ou mais) homens para serem abraçadas.

Viagem bem servida de um delicioso churrasco de carne e banana, méritos de Ten. Reinaldo, Cipriano e Marcelo, além de muito refrigerante e “tubaína” (essa explicação fica pra depois). Delícia. Violão e preciosas companhias.

Tudo já estava muito bom, quando entramos no igarapé Simpatia, até chegarmos ao igarapé Preto, na altura da comunidade Terra Firme. Maravilhoso. Saltos do barco no igarapé, banho, brincadeiras, mas também emoção e comoção de alguns membros da equipe. Como saímos tarde da cidade, acabamos voltando cedo e ficamos relativamente pouco tempo por lá. Tudo era felicidade, só que não nos importamos com esse detalhe.

Já estaríamos mais do que satisfeitos com o dia, mas não foi o bastante. Depois de mais um tempo de viagem sentei sozinho no fundo do barco e meditei, na contemplação de toda aquele dia. Algum tempo depois ouvi alguém passando por mim, descobri que era o amigo Thiago subindo no teto do barco. Grande idéia, companheiro!!! Fui fazer-lhe companhia e em seguida juntou-se a nós o amigo Sérgio. Passamos o tempo admirando todo o cenário, vendo os botos nadarem às margens do rio e delirando em toda magia que se constituía aquela viagem.

Por fim, como se não fosse suficiente, à nossa frente surgiu uma lua cheia que só de lembrar arrepia-me a espinha. Atrás, o sol se punha em um matiz de cores inacreditável! Ambos refletindo-se no rio. O delírio foi total. Exclamações estupefatas vieram de toda a embarcação. Duas explicações surgiram para o que vimos neste dia: no 8° dia, Ele aproveitou-se de seu ócio criativo, deu vazão a todos os seus caprichos e pintou, delicadamente, obras artísticas. A outra fala de um alemão que, certa vez, conheceu a Amazônia, especulava ele que Deus passava o ano inteiro vigilante por todo o mundo, mas que passava férias na Amazônia. Chegamos à cidade ao acender das primeiras luzes noturnas.

Rio, mosquitos, espinhos e beleza Terça-feira estávamos no barco de novo. Thiago, Sérgio, Chico e um agente de saúde subiram o Juruá em uma voadeira (deixarei que eles contem sobre isso). Camila, Cris e eu, junto com mais um grupo de agentes de saúde e sociais e com a equipe da Unioeste descemos o rio em um barco maior. O objetivo da viagem desta vez era, de forma sintética, conhecer as comunidades ribeirinhas e sua situação de segurança alimentar por meio da aplicação de questionários estruturados. Contarei alguns dos casos vistos, não me atendo a todas as questões práticas do dia.

Em Foz do Tarauacá, Camila, o Sargento Bulé, Kassab e dois agentes foram, de canoa, para algumas casas um pouco mais afastadas. Preocupado com a demora deles e com horário a ser cumprido, uma agente e eu entramos na mata para encontrá-los. Uma trilha bem-definida, linda, coberta de lama e espinhos. Lá chegando, encontramos famílias amabilíssimas! Comemos goiabas, alguns deles cruzaram com uma cobra, várias fotos. Na casa uma mãe estava bastante apreensiva com a saúde de seu bebê de pouco mais de 1 mês de vida. Logo que soube que éramos estudantes de medicina, aguardou ansiosa que falássemos alguma coisa sobre o caso. Linda criança! Aparentemente nada de grave, pedimos que assim que possível fosse para a cidade levá-la ao médico. Voltamos à nossa embarcação de canoa. Na comunidade seguinte conheci uma senhorinha muito simpática. Dona Antonia. Dizia ter seus 70 e poucos anos. Contou-me que, quando criança, veio de um lugar longe chamado Reconquista (depois descobri que se tratava de um Igarapé no município vizinho, nada tão longe, mas que dependendo da embarcação e da estação de chuvas em que viajava poderia ter levado muitos dias para ter chego ali). Seu pai buscava melhores condições para a família, já que o ciclo da borracha a que pertenceu havia decaído e a qualidade de vida no seringal piorado muito. Ele morreu pouco depois que chegaram a Eirunepé. Ficaram na zona rural, D. “Antonha” casou-se e teve 16 filhos, dos quais um morreu cedo. Uma parte dos filhos espalhou-se entre a zona urbana de Eirunepé e a capital. A outra parte? Bem, a família daquela doce velhinha rendeu novas gerações e compunha a totalidade das casas da comunidade. Afinal, ela era a mãe de toda aquela comunidade ribeirinha.

LendasNas andanças por essas terras vira e mexe escutamos algumas histórias. Lendas? Quem sabe? A lenda do boto é conhecida em São Paulo. Dizem por aqui que se deve ter cuidado com os botos, visto que as histórias falam como são poderosos seus encantamentos sobre as pessoas. Uns dizem que os encantados acabam parando no fundo do rio, outros contam sobre alguém cuja avó passou mais de 20 anos encantada pelo dito mamífero.

Falam os pescadores e os ribeirinhos que as águas desta região abrigam uma espécie de peixe terrível, o jaú. Tal criatura atingiria grande tamanho e desenvolveria pelos assustadores ao tornar-se velho. Homens desavisados em suas canoas poderiam se engolidos por inteiro pela fera fluvial. Todos devem ter visto/lido nos jornais a grande seca que se abateu sobre a região amazônica neste verão. Eirunepé já sabia que a mesma viria. Certo dia, uma mulher lavava sua roupa à beira do rio, quando virou de costas e um peixe bodó saltou sobre sua tábua de lavar. Assustada com o peixe ela exclamou: “Eita, que bodó danado de feio!”, ao que ele respondeu: “Feia vai ser a seca do próximo verão” e pulou de volta na água.

Os indígenas têm seus próprios costumes e magias. As pessoas da cidade temem o famoso encantamento da pedra, em que o índio tocaria parte do corpo da vítima dizendo que agora a mesma tinha uma pedra e, em seguida, a pessoa logo seria acometida por dores na dita parte do corpo. Da mesma forma um pajé seria capaz de retirar tal pedra com apenas alguns movimentos com as mãos. Assim, também, ele seria capaz de cortar o efeito alucinógeno de ervas como a auasca.

Tormentos
Mais relatos ficam para depois. Ah, sim! Apenas descrever a pior coisa de se estar em Eirunepé. Preciso falar sobre isto visto o tanto que Cris e eu temos penado com tais criaturinhas. Os mosquitos. São de quatro tipos: os piuns, mosquitos pequenos, de picada ardida, que deixa intenso prurido e um botão de sangue. Os carapanãs, também conhecidos como muriçocas, no nordeste ou pernilongos, no sul, a diferença é que os daqui são maiores e além de aparecerem no final da tarde também atormentam o começo de manhã. Por fim o meruim, um mosquito de picada doída, mais encontrado na zona rural. Agradeço por não ter conhecido a mutuca, uma mosca amazônica de picada muito dolorosa pelo o que contam. A volta está chegando e o nossos corações vão apertando, tantas coisas e tantos trabalhos ainda por fazer...

Escrito por Bruno Mariani Azevedo