11.2.20

Nelson

Controle.
Controle.
Controle.
Dois mais dois igual quatro.
Oito mais oito igual a dezesseis.
Doze elevado a dois é cento e vinte e quatro.
Macapá, Porto Velho, Rio Branco, Manaus, Belém, Palmas... e...Boa Vista! Porra!
Filha de puta fica por aqui me assombrando. Filha da puta!

Ei! Você! Por que está me olhando tanto? Eu? Falando sozinho? Bebeu? Eu... Eu... estava apenas exercitando o pensamento. Pensamentos lógicos, listas, ajudam a exerrcitar a memória. Ativar as sinapses. O que? Nunca ouviu falar sobre isso? Você deveria ler mais! Tem Google na sua casa? Pois então...
Certamente demorarei mais para sofrer de demência senil, Alzheimer ou qualquer coisas dessas que o valha.
Qual é o pensamento que você controla? Controla para onde? Mesmo? Meus pensamentos fluem de maneira um pouco descoordenada e em múltiplas direções. Pelo menos é disso que eu tento me convencer. Não, eu entendo que precisaria ter outra atividade produtiva, mas é que eles não entendem. Não consigo ficar muito tempo em um trabalho. Ah.. A coisa complica lá pelo segundo mês. Sabe como é, é preciso cumprir metas. Não consigo cumprir aquelas metas. Mas quem, em sã consciência poderia apertar vinte mil porcas em um dia de trabalho? Já reparou na maneira em como uma porca se torce em um parafuso? No movimento aneladamente espiral que a dupla faz um sobre o outro? Chega a ser mágico!
Naquele canto?
Não tem nada...
Não tem nada. É... só estou pensando esquivamente. Não sei exatamente no que.
O que? Deixa eu conversar em paz com ele!

Como é? Jurei ter escutado alguém ali atrás me chamando. Desculpe-me.
Ah! No frigir dos ovos, quem não é estranho? É aquela coisa, se olhar de perto, todo mundo tem suas esquisitices, não é!? Acho que você também está com a imaginação muito florida, muito suscetível. Não deveria ficar achando coisas, projetando suas ideias soltas sobre os comportamentos de outrem.

Quê? Não! Já disse que não estou olhando para ninguém ali!

Você deveria ser mais educado! Não ficar supondo coisas sobre os outros...

Já disse para você que não!

Com quem eu estava falando? É... com ninguém...
Quanto é a raiz quadrada de cento e sessenta e nove? Treze! Treze! Nove vezes nove oitenta e um! E se você tira um e divide por oito, dez. Entendeu? Dez!
São Luiz, Teresina, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Maceió, Aracaju e Salvador!
Está vendo? Já está melhor!

Do que você está falando? Não vejo e nem escuto coisas não!

Xiiiuuu! Não vou fazer nada com ele! Ele não sabe! Só acha!

Ahn? É que todo mundo acha! Todo mundo acha que sabe algo sobre algo. É impressionante, não é mesmo? Olha aí, sai conversando com as pessoas por aí sobre a seleção brasileira de futebol! Todo mundo vai ter uma opinião! A maior parte nem joga uma pelada por mês! É! Com política e com economia é a mesma coisa... por isso que a gente não chega a lugar nenhum! As pessoas acham que sabem! Achar que sabe é bem fácil... não requer esforço nenhum. Não, você não sabe o que é um esforço para domar um pensamento, ou um sentimento. Só deixa o ressentimento fluir e acha que controla alguma coisa.

É sim... é uma criança boba. Não! Nada de cinta! Não é minha conduta. Vocês e ele sabem disso.

Cento e vinte e quatro. Doze. Quatro. Três...


24.12.18

Das retas às linhas

Em outro tempo estávamos conversando das curvas descendentes que se tornaram retas. Esse é apenas um dos movimentos que expandem a vida... as retas também precisam tornar-se curvas para que a vida vá além...

E certa vez conheci um um homem. Ele não tinha nada em especial. Nada. Nada que fizesse chamar a atenção para ele. Exceto a dor. Uma dor causticante, castigante, que lhe atingia as costas permanentemente como um açoite. A propósito, um açoite quebrando-lhe as costas é a boa imagem deste homem cafuzo, que nasceu apanhando, mais de uma vez foi abandonado à própria sorte desde tenra infância e muitas vezes apanhou... Não que não tenha feito escolhas erradas, mas quais escolhas são certas quando o mundo está contra você?
Suas pernas fortes, de quem resiste nos pesares e apesares, carregavam um homem gemente, dividido em dois: membros inferiores rijos, dorso duro, inclinado, que já suporta mais os pesos do mundo. Mesmo Atlas se apiedaria daquelas costas alquebradas.

Eis que certa vez, em um lampejo da vida - uns diriam destino, outros apenas as consequências naturais da existência - ele encontrou pessoas que olharam para ele e sentiram junto sua dor. Poucas coisas são tão poderosas quanto a empatia e a solidariedade. E de grupo em grupo encontrou formas  de suportar tanto peso. E em um de seus ciclos de cuidado encontrou o teatro.

Ali pode olhar para suas estruturas, para o que erige e o que bambeia suas pernas. Ali pôde contar sua história e revivê-la em seu corpo junto ao corpo dos outros. E viu seu corpo e teve nacos de auto-percepção.

Olhando daqui, não dá para saber o que mais influi naquelas veias para que suas retas dobrassem. A chibata cantou diferente no apoio que tinha ao recebê-las e ao dividi-las. Sei que certo dia, numa sala, já não entrou queixando de dor. Certamente não foi o remédio. Ele deitou, levantou, alongou, pulou.
Certo dia começou a preparar-se. Fortuitamente foi chamado a subir em um palco. A brincadeira tomou muita seriedade e ele não fugiu da raia. E ao final, de joelhos, na boca de cena, curvou suas costas sobre os calcanhares, ergueu os braços e mirou as estrelas - não, o peso do mundo ainda não o derrubará por mais muito tempo...
(acho que naquela noite, naquele momento, as estrelas conversaram uma eternidade de coisas com ele que nem ele mesmo conseguiria nos contar... mas isso só conversando com ele...)

17.12.18

Feito no afeto

Certa vez conheci um homem. Seu sobrenome tinha algo que me remetia a um afeto. Quase um anagrama. Quase. Afeto...
Ele não tinha nada especial. Era mais uma alma mastigada pela existência. Sua mente pesava com mil pensamentos que faziam pouca conexão com o mundo externo, diria que mesmo que se alguém pudesse lê-los mal conseguiria suporta-los, muito menos entendê-los. Pesava e pendia.
Eram tantos pensares que seu pescoço realmente não suportava o peso. O nariz sempre apontava para baixo e então todo o seu ser acompanhava esse arco descendente. Sua boca era uma abóboda, sua coluna um arco gótico, seus olhos oblíquos tinham menos expressão vital que uma velha imagem sacra abandonada. Tudo sobre pernas finas, pequenas toras de aspecto carcomido que mal sustentam-se a si mesmas. Parece uma imagem decrépita demais para se pensar, mas se você olhar ao lado, encontrará dezenas como essa... olhe com cuidado...
Diziam que seus pensamentos ocupavam tantos pensamentos dentro e fora de si que podia passar horas em um banco de praça olhando o nada, e o tudo, que acontecia ao redor de si.
Bom... esse homem vagava pelo mundo... até que algo cruzou seu caminho. Fortuitamente ele foi chamado a um grupo... seriam apenas jogos cênicos, certamente ele não entendeu muito bem do que se tratava. Por um tempo parecia continuar não entendendo, mas algo o fazia estar ali praticamente toda semana, quieto, pensativo, pesado.
De uma brincadeira, uma cena. De outra brincadeira uma apresentação. De outra brincadeira um teatro de arena aberto! Talvez as curvaturas já estivessem mudando antes, mas ali, ao final, um sorriso se abriu.
Esse sorriso seguiu-se abrindo tímido, cada dia mais largo...
Passei semanas... meses... sem poder frequentar aquele grupo.
Certo dia voltei e quando apareci aquele homem já estava lá. E quando ele me viu, as curvas tornaram-se retas, o olhar no chão abriu-se para o horizonte e um largo e expansivo sorriso abriu-se junto com braços-janelas e deixou sair uma voz clara e bonita como poucas vezes se houvera escutado.
Ainda choro quando lembro daquele abraço...

1.6.18

Casaco vermelho



A cidade em chamas. Grupos rivais disputam o domínio de áreas de tráficos... todos os tipos de tráficos... ônibus incendeiam-se quase expontaneamente, nem sabendo ao certo a quem apoiar. Por que apoiar alguém? É que apoiando ninguém também se está apoiando alguém... e lá vai em chamas mais um ônibus de 42 lugares com acesso adaptado a deficientes. As pessoas amontoam-se nos que ainda circulam, preocupadas a ponto de morte com seus jantares e com a continuidade de suas vidinhas estúpidas. Os que não estão preocupados com isso, estão se corroendo na estupidez de suas impotências diante da grandiosidade do caos e do fogo!
Deixem o fogo e o caos operarem!

Em meio às chamas ele caminhou. Caminhou porque já não havia outra coisa o que fazer. Na crise, as pessoas vão se consumindo no desenfreado medo de já não mais poder consumir e disso nada sobrará. A não ser andar...
E andou.
E andando, escutou vozes do passado, do presente e do futuro, que murmuravam imprecações contra o destino do mundo. E viu sutis cores que bailavam entre frestas de concretos e reflexos de aço. E de uma imagem a outra saltava, em tranquilo passo apocalíptico. Apocalíptico mais porque essa era a sensação generalizada do que porque o modo de vida em que viviam estivesse realmente por acabar... quem dera...

E andando... andando... foi de rua a outra... andando.. chegou àquela mais larga, originalmente das mais movimentadas. Atravessou-a como se pudesse deitar no asfalto, pois nada o assaltaria daquela tranquilidade. Sempre quisera viver o dia em que a Terra parou. Estava próximo disso, mas não ainda. Então três vozes assolaram-lhe o pensamento. Não eram quaisquer três vozes. Eram três pessoas expressando o seu desnorteamento e falando-lhe do que seria um plano evidentemente fracassado... ao menos para aquelas pernas, olhos e ouvidos que já tinham atravessado a fumaça por uma hora.

- Estou indo a pé. Os ônibus não vão parar aqui. Se chegarem...

Seria possível tal caminhada? Seria uma empreitada grande demais?
Não se pergunta a uma centopeia como ela coordena seus 50 pares de pés, mas ali as perguntas já estavam postas. E uma já sabia que aquilo não lhe seria possível. E sim, era visível que não lhe seria. Seus mais de 50 anos, suas 12 horas de trabalho físico, sua má alimentação e seu sobrepeso. Estavam todos estampados e acusando desistência e desolamento em 2 quilômetros de estrada.

- Chamemos um carro então!

Chegaria ele até ali? E em chegando, chegaria ele até o destino? Parece que sim, mas não são tempos de certezas. Certezas? Certezas são tão puerilmente adolescentes...
Fato que o carro chegou e o carro foi com eles.
E no banco de trás sentaram as três mulheres. Na diagonal contrária a mais nova. Trinta anos. Bochechas rosadas. Fala doce e macia, mas enérgica e agitada. Ria com graça e candura etéreas. Seus lisos cabelos negros contrastavam com seus lábios vermelhos combinantes com o casaco vermelho. E as cores bailavam. Sim, elas bailam. Como pode nunca ter notado isso?
E aí, em uma mulher assim, numa situação assim, aquele vermelho vibrou com o coração daquele homem. Que já não sabia o que fazer ou o que falar. Apenas sentir e ouvir. E estimulá-la a falar mais e mais.
Ah! Mas como pode se deixar assaltar por tão intensa ilusão em questão de apenas alguns segundos e meia dúzia de frases. Meia dúzia de frases certas fazem um mundo... (ou o destróem)...
Pode ser com um cantarolar! E ela cantarolou o tema de seu filme favorito! Distraída, pensando na aventrura de chegar até ali. E ambos se identificaram nessas poucas notas. E seus olhares flamejaram! Estaria mais alguém no universo percebendo aquelas intensas faíscas? Ou só uma ilusão semi-psicótica...
Mas ela desceu e nem ao menos disse seu nome a ele... apenas desceu. Seria ela apenas uma sombra de algum dia inusitado que por tempos o assombraria sem adquirir qualquer consistência?

Nunca mais se veriam.

Mas "nunca" contém a eternidade e a eternidade é um tempo longo demais para os acasos da vida e para os calores de uma paixão situacional. E de cerveja em cerveja, de um bar a outro, nos caminhos tortuosos que as reflexões de fim de mundo nos levam, lá estava ela. Mesmo caso vermelho. Mesmo batom vermelho. Mesmas bochechas rosadas. Mesmo sorriso sutilmente enfeitiçador. Mas lá ia ela caminhando de mãos dadas. Outro homem. A ele restou mais um copo de cerveja, para engolir mais um estilhaço de seu coração temperado com toda aquela fumaça do mundo.

No terceiro ou quarto corpo já se perguntava quem era aquela loira que balançava seus cabelos cacheados tão sensualmente...

3.3.18

México 6

Por fim, o último post  dessa série. As coisas ficaram um pouco mais sérias, por isso parei de escrever. Na verdade, mal conseguia olhar para o teclado do celular para conseguir escrever por tanto tempo. Mas vamos aos fatos, ou à viagem em si.

- Uxmal: é um lugar maravilhaosamente encantador. As ruínas mal são ruínas, construções vívidas em meio à floresta yucateca. A quantidade de turistas é bem menor, porque mesmo de Mérida nãoe stá tão perto. E assim, pode-se subir e entrar nas estruturas que ainda existem, ou em algumas delas. Pirâmides, casas, palácio de governo, cancha de juegoi de pelota. Por falar no juego de pelota, me encanta a ideia do equilíbrio de forças opostas existente na cosmogonia dos antigos povos da mesoamérica. Imagine que as coisas só existem tal como existem por que vida e morte entraram em equilíbrio, assim como fogo e água, terra e ar, norte e sul, leste e oeste, frio e calor, etc etc etc; O jogo de pelota celebra isso, com o detalhe mórbido de sacríficios humanos mediante regras pré-determinadas. Enquanto ouvia turistas, boa parte europeus, de todo o mundo argumentando como aqueles povos eram bárbaros, fiquei pensando na maneira pouco ética em que o capitalismo sacrifica ritualmente a periferia das grandes cidades, ou como o mediterrâneo é um grande cemitério, para manter a cosmogonia do capitalismo. Só que na nossa realidade, as regras não estão explícitas e você não tem nenhuma honra ou reconhecimento ao ser sacrificdo em prol da manutenção do equilíbrio do universo. Uxmal certamente é um passeio que vale muito mais a pena do que Chicén Itzá, na verdade só dá pra entender que o segundo tenha sido elegido como maravilha do mundo moderno ao invés do primeiro por motivos econômicos.

- Não tinha mais condições. Em Uxmal o clima ainda me foi favorável, nublado, mas nos dias seguintes a dor não me permitiu sair durante o dia. Fiquei o dia todo no hostel e voltei para Cidade do México dali dois dias. Voltei ao mesmo hostel, agora em um quarto sem ventilação, no térreo (o que de maneira alguma seria um problema em uma viagem habitual). Passei boa parte do tempo no hostel. Tentei adiantar a volta, mas a burocracia e o custo da mudança de passagem eram impeditivos. Nesse meio tempo fiz saídas breves.

- Museu da Tequila - por si só absolutamente desinteressante e sem conteúdo. Vale pelas desgustações de tequila, maiore sou menores a depender do que você escolhe ao entrar no museu. E pelo fato no museu estar na praça central do Mariachis. Vale a pena ir no final da manhã vê-los se reunindo, se preparando para "atacar" os turistas cidade afora. Certamente deve valer mais ir à noite, tomar umas tequilas e curti-los cantando e tocando pela Praça Garibaldi.

O resto dos dias foram de manutenção da minha condição física. Andei pouco tempo, muito menos do que o habitual para minahs viagens desse tipo. Muitos museus de arte, mercados municipais de artesantos ou de hortfrutigranjeiros e açougue, certamente impressionantes aos gringos, não tanto aos brasileiros, mas ainda assim, muito aprazíveis. Apenas passei rapidamente por eles, ou mesmo só na frente deles.

Muito tempo de hostel depois, finalmente voltei ao Brasil. Um post mais será necessário, para contar sobre o momento em que tive que pedir dinheiro na rua, ou, na linguagem dos moradores de rua, em que tive que manguear.

Não, esse post não tem pequenas passagens sobre as pequenas observações do cotidiano... sim era capaz de fazê-las, mas elas já me escaparam da cabeça. Cheguei de volta a Campinas na madrugada do dia dia 26/02, uma segunda. O diagnóstico do Pontro Socorro oftalmológico foi de uma conjuntivite membranosa, algo que me custou uma semana enfurnado no quarto escuro. Essa sexta, sia 02/03, finalmente recebi alta depois de mais de 15 dias brigando com a conjuntivite. Ainda não enxergo tão bem, mas meus dedos aainda conhecem bem meu teclado.

É um fim xoxo... para o o que foi o fim da viagem... de toda forma, espero voltar em breve para o México, incluindo o sul (quem sabe a Guatemala também), para conhecer mais da cultura Maia ainda vivente e poder rever o que mal vi.

19.2.18

México 5

Havia uma certa expectativa com o dia de hoje. Visitar Chichén Itzá, um grande sítio arqueológico Maia, considerado umas das 7 maravilhas do mundo moderno.
Acordei cedo pra ir (não, não melhorei). O caminho é longo e diziam ser muito cheio de turistas, especialmente dos que vai da região de Cancún para lá. Aliás, a escolha de vir para Mérida, aqui na península de Yucatán, passou por ser mais perto de Chichén Itzá, estar perto de outras ruínas interessantes e, certamente, ser mais barata que Cancún.
Depois de uma hora e meia de viagem, cheguei às 10:00. Já estava cheio, mas piorou bastante. Vejam bem, o passeio vale a pena, não deixa de ser lindo e com várias estruturas muito bem preservadas. Só que o lugar virou praticamente um parque de diversão para gringo ver. Realmente muitos! Com um desrespeito à história e ao sangue derramado naquelas pedras (ali, as senti mortas).
Por outro lado é mais complexo que isso. No que entendi, um estadunidense comprou aquelas terras e saqueou os tesouros arqueológicos das ruínas e dos cenotes, levando-os aos EUA. Impedido de voltar ao México sob a cobrança de uma taxa altíssima, vendeu a um espanhol. Este explorava-a turisticamente e vendia os artesanatos locais para seu próprio lucro. Diante da evidente exploração e prejuízo, os artesãos ocuparam a propriedade para venderem eles mesmos os artesanatos. O proprietário exigiu que o governo os expulsasse de suas terras, quando foi fazê-lo, chegou o exército zapatista. A tensão era de que os artesãos só sairiam se o espanhol também saísse. O governo pagou uma fortuna ao proprietário e tornou público o sítio arqueológico.
Parece que isso faz apenas uns 10 anos. O tratamento museológico segue sendo incipiente e pouco informativo. Guias de todos os tipos e qualidades conduzem grupos enormes de turistas.
Centenas de vendedores expõem artesanatos de todos os tipos dentro e fora, em stands montados pelo caminho.
Pelo menos agora, parece que o local realmente pertence ao povo yucateco, que dá seus pulos pra viver a partir dele.

- voltei a Mérida e desci do lado errado do centro da cidade. Agora com cara de cidade grande, agitada, trânsito intenso, comércio vívido. A impressão de pobreza e desigualdade social segue bastante presente.

- a noite quente leva à praça principal, perto do hostel. Segue sendo um charme. Sem a feira, sem o baile, com uma música tocando no prédio da prefeitura e as famílias e amigos aproveitando o vento noturno. Do meu lado, quatro idosos trocam ideias sobre a vida.

Se a viagem fosse mais longa, ficaria aqui até recobrar minha saúde...

18.2.18

Mexico 4

Hoje, de traslado para Mérida, conhecer um pouquinho de Yucatán e dos Maias.

- a gente que trabalha nesse hostel é bastante agradável, mas é curioso a quantidade de gringo. Em especial estadunidenses e alemães. Um dia um casal de estadunidenses, ele comenta que tem um café, é que está querendo muito ir ao Brasil porque é de onde vêm os melhores cafés. Comento que sim, do Brasil e da Colômbia, mas que nós não os tomamos, os melhores vão para exportação. Ele ri. Ele sabe, é para eles que vai. Não, não acho que ele consegue realizar a relação de exploração que está refletida aí. Minha indignação e meu inglês não se equalizam, fico quieto.

- estadunidense e um alemão conversam sobre o aprendizado de espanhol. O primeiro fala sobre as flexões verbais e de gênero o segundo responde meio aturdido com a complexidade (mas já o vi falando bom espanhol). O primeiro se sente reforçado e diz o quanto isso é idiota! O alemão me olha de canto de olho, constrangido, e diz que não podem reclamar.

- queria dizer que estou melhor, mas não. Talvez com as pálpebras um pouco menos inchadas. A pele da minha face esquerda já se vê ressecada e envelhecida.

- cheguei a Mérida. É necessário dizer, fuja da companhia Viva Aerobus! Certamente está entre os 5 piores vôos que já fiz! A descida foi tão forte que parece que vou ficar com o ouvido esquerdo permanente entupido. Tô quase um cavaleiro do zodíaco prestes a despertar o sétimo sentido!

- minha primeira impressão é que Mérida é uma cidade relativamente pequena e pobre. As casas são todas coloridas, muitas geminadas, mas com aspecto envelhecido, pelo menos no caminho do aeroporto até o centro. Está acontecendo algo na praça central (Zócalo), mas resolvo tomar um banho antes.

- o hostel segue esse padrão de construção. É tudo um pouco escuro, mas hj simpático... Quarto grande, camas de paletes, rede, espreguiçadeiras...

- o Zócalo está ocupado! É a feira e o baile de domingo. Dezenas de barraquinhas vendem artesanatos e comidas típicas. Famílias de turistas e de locais se misturam desfrutando a noite quente. De um lado a enorme catedral colonial, belamente iluminada. Perto do centro da praça um grupo de jovens escuta algo que parece metal e disputa a atenção com um senhor de meia idade, camisa xadrez mal apertada na barriga saliente, dois megafones pendurados, exconjurando imprecações cristãs a plenos pulmões.
Nos bancos, margeando os jardins, jovens e idosos conversam animadamente, comem, as crianças correm e brincam. Nas esquinas dos jardins há sempre um par de cadeiras de concreto brancas, altas, com apenas uma perna, como se fossem taças, o braço direito de um continua de frente com o braço esquerdo do outro banco, de modo que as pessoas sentadas ficam inevitavelmente de frente uma para outra. Cena potencialmente romântica.
Comi algo que se parece com uma pamonha, recheada com frango, bebendo orxata (parece suco de soja) depois uma espécie de biju recheado com queijo e pasta de amendoim, por fim, churros.
Sento com meu churros ao lado de um casal mexicano de uns 50 anos. Ela segura uma rosa solitária e olha, apaixonada, para ele contando alguma história, gesticulando enquanto faz carinho em suas costas.
Por fim chegamos do outro lado da praça, um largo prédio colonial de arcos (que parece cenário de algum filme do zorro), tem uma iluminação que vai mudando de cor, abaixo do arco central uma banda toca cumbia muito animadamente, para uma ou duas centenas de pessoas na rua dançando ou assistindo. Todas as faixas etárias se fazem representar, más especialmente os meus velhos e os da própria cidade.