10.5.13

Fotomontagens

Gostei desse. Deu um trampo, mas gostei. Agradecimento especial à amiga Ju Romão pela montagem com a imagem da câmera. As outras foram encontras na internet. O título não ficou tão bacana, mas tá servindo...
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Sua face redonda e sardenta, coberta de cachos acobreados de repente circulou as tais redes sociais virtuais. Para sua mais absoluta alegria!
Como nem tudo são flores, ainda teve que defender sua grande sorte e percepção!
Ela tinha acabado o curso de fotografia fazia pouco tempo. Nem um mês. Quando muitos ainda a consideravam uma amadora. Seu reduzido portfólio dificultava conseguir alguns bons trabalhos. Vez por outra arrumava um freelancer... lá ia ela, um pouco atrapalhada com a quantidade de equipamentos, fotografar o casamento do vizinho da tia, o batizado da criança catarrenta do primo do seu primo, o aniversário de algum menino mimado. Cansativo. Pouco prazeroso.
Enfastiada disso, resolveu ir à caça... talvez boas fotos do cotidiano. Sim. Ela gostava de sentar em uma praça e ficar observando o movimento. Fotografava o casal de idosos, a criança afastando as pombas, pessoas passando apressadas. Uma pausa de microssegundos em dia-a-dias tão tumultuados e velozes. Ainda que tais cenas a provocassem, despertassem sua curiosidade, dificilmente outras pessoas igualmente se interessariam por clicks quase banais.
E quantas cenas interessantes perdia. Ali sentada, atenta a tudo, mas com medo de ter sua cara câmera roubada! Deixava-a dentro de uma grande bolsa negra, com a qual andava abraçada. Quando algo lhe chamava a atenção, até conseguir pegar a máquina e fazer todos os procedimentos necessários o momento já tinha escorrido pelo bueiro...
Ainda assim, aquele banco dava-lhe alguma sensação de segurança e por isso arriscava-se. Antes de ir embora ficava um bom tempo sem tirar nada da bolsa. Olhava em volta várias vezes buscando comportamentos suspeitos. Nada. De um salto punha-se de pé, juntava seu pacote ao tórax e saía andando a passos apertados. Mal olhava para o lado.
Um dia de aborrecimento sem igual. Uma semana inteira e nenhuma perspectiva de trabalho. Nenhuma boa foto na busca pela grande foto! Ela estava ali, atenta, trabalhando, às vezes pouco preparada, mas disposta. A tarde inteira na praça e nada. De repente, uma chuva fina começou, ao pôr do sol, naquele momento em que os feixes dourados quase tangenciam o chão sem tocá-lo e agora refletiam-se nos pequenos cristais d'água lançados ao solo. Um casal ignora a chuva e se beija! Que cores! Que momento transbordante! Rapidamente recorreu à câmera, ajustou e quando olhou através dela... nada... gotas esparsas, certa opacidade noturna, nenhum homem, nenhuma mulher. Vazio.
O vazio a perturbou todo o trajeto de volta para casa. E no jantar. E em seus sonhos. O vazio. A bolsa vazia, o prato vazio, a casa vazia, a janela vazia. Abriu a porta para fugir e caiu, caiu no vazio. Acordou ainda nos primeiros raios da manhã, ainda caindo... pegou sua máquina, mais por hábito do que por alguma obstinação em fotografar e andou sem destino. Vez ou outra parava, fazia uma foto ou outra. Mas o que queria era andar! E expurgar aquele vazio.
Após quase duas horas passou por uma rua com grandes árvores. Cabisbaixa, caminhava pelo calçamento, prestando pouca atenção em quem passava por ela ou a interpelava. Mas uma menina passou rapidamente por sua retina e ficou gravada. Deveria ter uns seis anos, com um vestido escorrido, florido. Andava serelepemente de mãos dadas com alguém quando a ultrapassou. Iam na mesma direção. Não a olhou diretamente, mas sentiu, que lá na frente, ela estancou o passo e voltou correndo. Sem dizer uma palavra deu-lhe uma flor amarela e voltou pulando para o adulto que a acompanhava.
Um flor amarela.
Ficou um tempo olhando para ela. De onde tinha saído aquela menina? E essa flor? Olhou em volta. Várias casas tinham flores em suas jardineiras, em pequenos jardins frontais. Apertou a pequena haste e pôs aquele sol em seu cabelo. Mal sabia onde estava.
Continuou andando. Absolutamente abalada por aquele acontecimento. Não foi capaz de ir longe. Sentou. E lá estava. Bem a sua frente! Sob uma árvore! Não acreditava no que estava vendo!


Que noite maravilhosa! Um céu limpo e estrelado. Nem sinal das nuvens que trouxeram a breve chuva da tarde... E que chuva!
Fazia anos que não se viam. Anos com aquele leve incômodo no peito, o que deu errado? Sim, eram jovens, jovens demais para perceber, ainda tinham muito o que experimentar na vida. As sensações estavam sempre muito a flor da pele. Composições e decomposições em velocidades além de qualquer prudência.
Em um dia a paixão explodia fervorosa. Incontível. Só em uma ficção científica seria possível captar a temperatura que alcançava aqueles dois corpos em fricção. Fricção constante. De carne, de intenção, de desejo, de tesão, de vida.
...
No dia seguinte algo poderia sair do eixo, qualquer algo. Evento tolo do cotidiano. Era o mesmo movimento explosivo, a mesma velocidade, mas em direções contrárias. Ardiam em raiva... Eram capazes de arremessar vasos, derrubar portas, esburacar paredes. Dias sem se ver, dias sem se falar.
Então, em novo explosivo movimento, atraíam-se de forma intempestiva. Corriam uma maratona de volta aos braços um do outro. E era como se atravessassem, a nado, um caudaloso e furioso rio e a cada braçada a correnteza levasse embora pedaços de tristeza, ressentimento e amargor. Então, encontravam-se na pedra, uma bem no meio do rio, e ali passavam um tempo imedível contorcendo seus corpos e furores.
Um dia os músculos fatigaram. A maratona tornou-se longa demais e as águas carregaram mais do que infelicidades.
Deixaram de se ver. Separaram-se, um processo concensioso. Não era mais possível, não aquela vida. Cada qual seguiu seu rumo. Pararam de se falar. Perderam até mesmo as notícias um do outro.
Dez anos. Dez anos.
E a internet reconectou seres perdidos ao vento. Redes sociais promoveram reencontros, ao menos virtuais. Ao menos notícias. Pouco a pouco começaram a encontrar amigos em comum daquela época. E então, reencontraram-se. Uma fala tímida. Poucas mensagens trocadas. Atualizações sobre a vida, sobre como estava fulano ou ciclano, o que estavam fazendo ou deixando de fazer. Meses. Meses em uma conversa insossa. E a pontada no peito mais aguda. A cada dia, a cada mensagem. Mais aguda, mais forte, mais voraz.
Aquela velocidade voltou a invadir o peito e decidiram rapidamente de impulso em um dia se reencontrarem e se verem era necessário ambos queriam confessaram um ao outro que se rever ver ver o outro olhar no olho toda aquela intensidade de meninez que um dia tiveram e que os deixou inquietos durante tantos anos...
...
Seria amor?
Precisava dar nome?
Acordaram em se ver em um lugar público. Uma praça. Um fim de tarde. Estavam com medo. Medo da reação real que um teria ao ver o outro, ou mesmo de sua própria reação.
Ela vestiu uma blusinha e uma saia, insinuantes. Ele costumava gostar de vê-la assim. Mas passou um perfume que ele odiava. Ele não aparou a barba, não se preocupou com o cabelo. Entrou no carro, mas voltou correndo para passar o perfume que ela amava!
Assim chegaram próximos ao local marcado. Cada qual estacionou seu carro a cerca de uma quadra da praça, em lados opostos. Vinham de lados diferentes da cidade. A passos ansiosos e inseguros chegaram. Viram-se de longe e pararam por um momento. Reconhecendo aquela figura tão familiar e agora tão diferente. Foi então que caiu uma gota, depois outra, para cada pingo um pequeno passo. E quando a chuva desprendeu sua timidez das nuvens os corpos perderam peso e flutuaram rapidamente para encontrar-se. E beijaram-se. Beijaram-se intensamente! Um beijo de 10 anos em alguns minutos. Não eram necessárias palavras. Deram-se as mãos e foram para o carro dela. Molhados, quentes. Para cada dois passos, um beijo. Para cada curva, um carinho. Para cada degrau, um abraço, um amasso. Em cada expiração, uma dose a mais de tesão. A cada não-pensamento, um movimento. Uma pausa. E músculos vivos relaxados no tapete da sala.
A noite começou assim que o sol tinha se despedido e tinha que terminar antes do sol nascer. Conto de fadas? Não, vida real, compromissos reais, medo real! Não amanheceriam deitados lado a lado. Não naquele dia. mas não foi preciso dizer isso. No meio da madrugada ele a deixou e caminhou. Como se não houvesse amanhã. Como se não houvesse gravidade. Deslizou por uma cidade cujas luzes sorriam para ele. E ele sorria de volta. O passo leve de quem tem uma perspectiva feliz. De quem, de repente, se sente capaz de mover uma montanha!
Um tropeço.
Tem um homem caído no chão. Um rapaz. Não deve passar dos 25 anos. Camisa suja, calça jeans suja em uma das pernas, a outra, sem o sapato. Mão direita fechada. Ele apenas entreabre os olhos e balbucia algo não entendível. Não poderia deixa-lo ali, ao relento. Com algum esforço levantou-o e carregou-o para o gramado. Uma árvore tinha seu caule bastante convidativo, ele mesmo seria capaz de dormir apoiado ali.  E ali deixou-o. Com ele uma garrafa de água. Certamente acordaria com sede, a sede dos que amargaram uma terrível noite, dias terríveis. A sede de quem pode sentir falta do mundo, ou de quem pode arrumar formas de rastejar-se em busca de água. Para lembrar-lhe que a água existe e de que tudo pode no mundo, deixou ali aquela garrafa, arrumada em um boteco nas cercanias.
E dali partiu, para nunca mais vê-lo.
E foi-se para o todo possível novo mundo que abria-se em seu caminho.

- Mãe! Gosto de passear aqui!
- É filha, porquê?
- Tem muitas flores! As casas tem flores!
- É mesmo!
- Você não acha que todas as casas deveriam ter flores?
- É verdade... deveriam mesmo...
- Quero mais flores em casa!
- Tome esta para você querida. Aqui, no seu cabelo.
- Ela é vermelha! Adoro vermelho mamãe! Obrigado!
- Está linda.
- Eba!
- Mãe, porque aquela moça está triste?
- Não sei filha.
- Será que é porque ela não tem flores?
- Talvez.
- Posso dar uma para ela?
- Claro!
- Aquela amarela?
- Acho que ela vai gostar!
- Mãe! Ela se assustou comigo! Tadinha! Mas ela parece fofa! Você viu que o cabelo dela é vermelho!? A minha flor é vermelha e o cabelo dela é vermelho! Acho que ela gostou da flor amarela que dei!
- É querida, eu acho que ela gostou mesmo, veja, está até olhando para frente!
- É...
- Ande um pouquinho mais rápido filha.
- Mamãe.
- Ahn?
- E aquele moço dormindo debaixo da árvore?
- Não sei, um desocupado, provavelmente.
- Mas ele tá sozinho, no chão e sem casa! E só tem um sapato! E não tem flor!
- É...
- Filha? Filha? O que você está fazendo? Volte aqui! Ei menina! Não pegue essas flores! Volte aqui! Ei! Ei! Não!
- Que horror! Nunca vi você tão desobediente!
- Mas mãe!
- Mas nada, que você foi mexer com aquele homem? E se ele acorda e pega você?
- Mas eu só coloquei as flores nele! Agora vai acordar mais feliz! Mais colorido!
- Você é impossível!
- Mas ele nem acordou! E tinha uma moeda na mão dele! Engraçado!
- Tá bom! Tá bom! Vamos embora logo daqui...
- Tomara que aquela moça veja ele. Ela vai gostar...
- Que você tá resmungando menina?
- Nada mãe...
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Ele anda pela rua, em uma madrugada qualquer...
Passos trôpegos..
Um andar?
Não! Um cambalear...
Passos incertos a buscar algum chão, ou todo o chão. Ora a calçada é pequena demais, ora é a guia que abriga um pé frente ao outro que é larga e desafiante demais.
A lua cheia fulgura em uma noite de céu limpo. Ilumina as sombras e guia os lunáticos, as gestantes, os bêbados... dizem que também os lobisomens...
Também ilumina uma pequena moeda no chão.
Ahá! Ganhou a noite! Uma moeda!
Abaixa-se lentamente para pega-la, curvando as costas primeiro. Quase cai ao perder o equilíbrio para frente. Apoia-se nos joelhos. De cócoras, estica um dos braços pra alcançar a moeda, mas tira o apoio de uma das pernas e cai para trás.
A lua!
O grande olho prateado.
Penetrante, fixador. Atraente!
Ele não consegue se levantar, qualquer movimento a tiraria do foco. Perderia-a de vista, mesmo que apenas por um instante.
Insuportável!
Seria terrível!
A moeda!
Está ao alcance do pé!
Tira o sapato.
Meia chata.
Com os dedos a pega. Ela ameaça escorregar, mas não. Ele a tem. O pé vem até suas mãos, mas foge delas. Balança para um lado e para outro. Alguém o segure!!!
O grito ecoa. O prateado olhar se aproxima. Mal consegue erguer os braços agora.
Pára tudo. Corpo estático. Pé se aproximando. Agarra-o com as duas mãos para que não fuja mais. Enfim, a moeda!
A moeda e a lua.
A moeda, a lua e o olho.
Aquele olho!
Olho maldito! Olho torturador!
Estava muito claro! Tinham muitas luzes naquele bar!
Várias luas!
Então o olho entrou. Deslocando o ar. Causando impacto.
Todos o percebiam!
Moeda.
Gira. Gira. Um tapa para parar.
Aquele corpo se interpôs. O corpo e o olho, amantes. Deleitavam-se com bebidas alcoólicas enquanto todo o resto da platéia babava em suas belezas. Mas talvez não em sua apenas aparente felicidade.
Não era mais possível desviar o olho do olho.
A lua.
Um movimento e seria como perdê-lo por toda a eternidade. E provocava uma pressão ativa sobre os seres, sobre os outros pequenos corpos que os observavam. Algo que impelia o tórax para frente, os pés para baixo, um após o outro. Um apoio ativo das pálpebras contra os ossos, das pupilas contra as íris. Uma tensão absoluta entre maxilar e mandíbula. Ainda assim, para frente.
Para...
Uma escuridão.
Nem sabe mais como chegou ali.
Mas o olho está longe! Perscrutador! No céu.
Lágrimas. E um grito de dor.
As pálpebras pesam.
O olho vai se perdendo da vista, mas não da mão.
Escuridão.