4.7.11

Mangas, crepúsculo e cães

Este é um texto para ser lido com calma, em voz alta (foi escrito para assim ser "lido"), respeitando o tempo de cada pontuação e de cada parágrafo.



Eu aqui, sentado neste galho, fico a pensar em coisas da vida (sentado, pernas balançando, olhar perdido). Mas não me basta pensar, tenho que lhes falar, caros companheiros. Bem...
Vejam bem essa árvore! Anos atrás costumava vir aqui, não para pensar, mas apenas para chupar mangas! Eram horas, nem saberia dizer ao certo quantas... Nesses momentos de puro deleite um minuto vale por uma hora e passa mais rápido que um segundo!
É assim...
Mas bem. Naqueles tempos, costumavam vir alguns amigos comigo. Não vocês, nobres companheiros, que ainda não agraciavam minha existência àquela época!
E eu sempre sentava exatamente neste galho! Por dois motivos. Sempre me pareceu que ele tem o formato perfeito de minhas costas! Vejam (tenta deitar-se, meio mal acomodado)... É... bem... além disso, daqui a vista do pôr-do-sol me era privilegiada! Eternamente apaixonado pela luminosidade crepuscular, a luz em que as bordas das formas se contorcem, se deformam... o real imaginadamente real confundindo-se com o imaginado realmente imaginado.
Ahn!?
Quanta inspiração, né?
Talvez...
Talvez seja a melancolia das memórias. Tempos melhores? Não sei... tempos de fato diferentes, de fato mais alegres. Ou, sem dúvida, menos preocupados.
Dizem que cabelos brancos trazem responsabilidades... A merda com isso viu! Explicações tolas e inúteis.
As mangas. Onde estão? É mesmo, é julho, não é época. Agora só em Outubro...
Amigos! Eram as mangas que nos uniam então!
Claro!
Víamo-nos muito mais no verão do que no inverno e isso não era simplesmente medo do frio! Era compartilhar de um prazer pueril. As mangas que partilhávamos enquanto conversávamos sobre a vida!
Por um tempo era sobre os jogos da escola.
Ahá! Adorávamos falar daquele jogo em que o Daniel fechou o gol! Até pênalti ele defendeu! Enquanto isso Miguel e eu fazíamos miséria do adversário em uma tabelinha assassina! Tudo bem que não éramos os melhores boleiros... e isso nunca mais se repetiu... Mas ficamos com o vice-campeonato da escola!
Mas quando as meninas invadiram nosso cardápio, aí a coisa ficou complicada! Às vezes uns meninos os invadiam também!
Ei!
Não riam de mim, seus tolos! Paixão é coisa séria! Apesar... de que... também... não é. A boa é seriamente extrovertida. Ou não?
Sei que é arrebatadora! Enche. Pulsos batem mais rápidos. O coração vem à boca, o suor é gélido! É uma paixão! Paixão “adolescêntica”! Ah...
Mas, nem sempre é assim, é verdade. Em alguns momentos ela tem um outro furor, o carnal. O corpo inteiro pulsa! O desejo consome as vistas, consome a língua, entorpece o pensamento. E aí perdemo-nos nele! Até explodir!
Ah! A explosão!
E ninguém pode falar que se apaixonar é ruim! E ninguém, há de discordar que estas são boas descrições de paixão!
Também temos que ver bem, não há limite de quantidade! Onde nessas descrições está inserida quantidade? Lugar algum! Apaixono-me! Diariamente! Ininterruptamente! Voluptuosamente! Consumidoramente de mim mesmo! Apaixono-me por vocês meus caros amigos! Adolescentemente apaixonado! Carnalmente apaixonado! Doce e ingenuamente apaixonado...
É a pupila que dilata, vorazmente plena de si, enlouquecida em engolir o outro!
Veja... não há mal algum aí... Não sei o que escandaliza as pessoas! O que você diria se eu me confessasse apaixonado por ti?
Sei...
Não diria nada!
E nem é preciso que se diga!
Ambos temos a manga, é isso! Vamos prová-la ao máximo que for possível... simples e complexo assim!
Mas ainda assim, tem um limite! Porque a causa disso tudo, é o outro! E o que nos faz bem, queremos para nós! Capturar o pôr-do-sol em uma rede!
E o amor?
O amor...
O amor!
Pula da árvore, quase caindo, se abaixa, anda de um lado para o outro como se temesse estar sendo vigiado.
Xiiii! Isso não nos é permitido! (fala em sussurros)
Isso sim é realmente perigoso!
Imaginem! Se apaixonar pela alegria que a alegria do outro provoca em nós!
Afetar, afetando, afetado!
Sabe, é esse carinho... de quando eu coço a sua nuca!
É um pôr-se ao lado!
Uh! E com fogo também! Que destila nossas mentes! Embriaga os sentidos!
De toda forma leal, ao que somos, ao que se é, ao que construímos... e é isso...
Pura produção de vida!
Amar não é querer levar a luz crepuscular para si, mas sim esvanecer seus limites ao próprio crepúsculo!
E imaginem só! Não há de fato limite! Nem em intensidade, nem em quantidade! Ufff
Que perigo! Que força! Imagina só esse nosso mundo invadido por isso! ( fala em empolgação crescente) Imagine só tudo e todos cheios disso!? O que não se poderia!? Amar intensamente e cada vez mais! O que não se poderia!? (ápice, gritando e cansando)
Ei! Ei!
Seus merdas!
Não me olhem com esses sorrisos sarcásticos!
Não me olhem com esse ar de incredulidade!
É isso!? É assim então!?
Então me deixem delirando sozinho!
(sobe de volta na árvore, joga galhos)
Vamos! Deixem-me só com meu delírio!
Cães malditos...
(atira galhos e vira-se de costas).