12.10.11

Tinta e Sangue


Inusitadas coisas podem acontecer em um dia de testes. Ideias sendo postas à prova. Sim, talvez mais ideias do que conhecimentos. Propostas, projetos. Questões… É… nada fácil.
Aquele foi um dia destes. Um desafio. O dia começa ansioso, tenso. Ansiedade e tensão que provocam cegueira…
Os quatro começaram a arrumar confusões logo cedo. Mal o sol tinha nascido, um céu azul, a perfeita definição da cor azul celeste, o horizonte com seus amarelos de tom pastel, e ele já estava se arrumando, era necessário atravessar a cidade, para começo de conversa. Para sua surpresa nunca foi tão rápido, com cada segundo tão longo, fazer tal travessia.
Encontrou com as duas. Alguns biscoitos em agitação exponencial! Os preparativos ainda eram muitos e deveras trabalhosos! Saíram em busca da quarta. Algo estranho já se anunciava quando chegaram na casa desta, sempre tão pontual, dessa vez ainda atrapalhada. A de crespos cabelos ficou para ajudá-la, enquanto os outros dois prosseguiam com a missão.
Seriam necessários grandes tapumes de madeira que receberiam as impressões e as expressões de quatro vidas coletivas! Nesses ânimos exaltados os planos podem ser dimensionados de uma maneira disforme. Porque mesmo acharam que as tais madeiras caberiam no carro? Generosamente, sob um olhar de pânico, um carro novo, impecável, foi oferecido para carregar aquele material… o tempo passava…
Diante da delicada situação, o pintor se ofereceu. Seu Scort ano 80 e pedrinha daria conta do recado, estava acostumado a carregar coisas maiores e mais pesadas. O tempo passando… monta suporte… parafusa… o tempo passando… apóia, amarra… jornal… sacola… o tempo passando…
Enquanto isso, em mãos tensas, um copo estilhaçava em outro canto do bairro…
O tempo passando…
Cadê a chave? Serelepe esse saci, que some com as coisas em momentos de tal delicadeza!
Chave encontrada, partem já atrasados. Carro velho, rodando lentamente pelo asfalto, o tempo passando…
Enquanto isso… noutro canto do bairro, pernas bambeiam sobre o desnível territorial de calçada mal assentada! Chão! Tocos de árvores ressequidas rasgando a carne, afastando o quer que impedisse a rota do nariz ao chão!
E então o carro velho faz a curva e seu perspicaz e prestativo motorista imediatamente nota a senhora ensangüentada na esquina!
“Nossa! Ela está sangrando!”
“Ahn?”
“Quem?”
“Vamos socorrer!”
“Ahn?”
“Ok...?”
Ele rapidamente dá a volta no carro. Manobra ousada para quem vinha tão lentamente circulando… A senhora estava lá, na esquina, os dois mal notaram, desorientada…
“Senhora! Está tudo bem? Quer ir pro hospital?”
“É… quero… aquele lá… tenho convênio…”
O rapaz dá espaço a ela no banco da frente. O motorista faz mais uma volta radical e parte, na maior velocidade que o carro agüenta, para o tal hospital. Em meio a saltos do carro e estouros de escapamento, a sensação de que o veículo desmontaria na próxima esquina, o tempo voando, perguntas de “como a senhora está”, mãos dadas apertadas, confusas, sem saber o que pensar, mas pensando, em uníssono, “com a gente tem que ser na intensidade! Não acredito! Estamos fudidos!” As mãos não se descolaram mais…
A senhora foi deixada na entrada da emergência do Pronto Socorro, já sendo atendida por alguém da enfermagem.
Tapumes balançando… “esse escapamento vai cair?”
Tempo voando…
“Sabem, eu tenho diabetes, já até desmaiei algumas vezes… Não posso com sangue!”
E os passageiros pensam: “Ah! Meu Deus!”, “Só falta ele desmaiar agora”
“Até teve uma vez que me tiraram de cima de um barracão na corda, porque desmaiei lá em cima!”
“Porque eles está contando isso pra gente agora?”
“Ai! Ele Vai desmaiar!”
Mas não, finalmente a faculdade, sem desmaios. O tal pintor ainda se ofereceu a ajudar a carregar o material. Não foi necessário. A tensão fez seu trabalho e três franguinhos subiram com as duas pesadas peças.
Um soco caiu no estômago dos dois enquanto terminavam os preparativos. Não por qualquer moralismo babaca, mas pela sensação de que, enquanto cidadãos e trabalhadores de saúde, quase não cumpriram com seus arraigados compromissos éticos com a vida.
Enfim as tintas voaram, a conversa rolou, a tela foi limpa, a pressão retirada, os gases se espalharam nas telas, preenchendo a sala e invadindo as pessoas. Estava feito e tinha dado certo