23.8.15

As durezas dos chãos e das flores I

Voltando a postar...


E então o pai dele sumiu de casa. Aquelas histórias que alguns falam brincando... dizem que ele foi comprar cigarros e nunca mais voltou... tinha por volta de uns 7 anos. Algo como 20 anos depois, voltou a ter notícias dele, achou-o um canalha, nunca o perdoou... também não houve muita chance para tal.
Pouco importa.
Importa é que sua mãe casou de novo... uns 5 anos depois. Tampouco valia qualquer coisa aquele padrasto de merda! Bebia e batia! Batia bem! Com eficiência. Sequer necessitava de muito esforço para provocar dor e acuar!
Não custou muito para Beto encontrar aquela cola em um armário no fundo da casa. Usar isso, no seu mundo, se aprende na es-cola.
O cheiro da cola anestesiou suas terminações nervosas... pelo menos por algum tempo. Mas não acabou com os tapas, as cintadas e os gritos. Uma hora o efeito já não era suficiente... uma hora o efeito já era quase imperceptível. A cerveja, misturada no tempo, já produzia outros efeitos... mas o dinheiro não era muito, então a pinga cumpria bem o serviço a um custo muito menor. Tá certo que nas primeiras vezes desceu rasgando, doía a garganta, o estômago e até o nariz nas primeiras expirações após o gole... mas isso também se anestesiou.
Ah! A cachaça era incrível! Porque com ela era só aumentar a dose... a cada ano a dose era maior! Mas ela também dava coragem além da anestesia! Quando misturava com o crack então! E com a cocaína? Nossa! Enfrentaria o Batman!
Mas a cinta ainda cantava!
E a cada vergão, a raiva crescia. E com a raiva, o ódio! E com a pinga, a coragem.
Um dia revidou, derrubou-o no chão, já estava grande, adolescente... Apanhou. Mas bateu também! Muito! Deu polícia e hospital. E deu fofoca entre todas as senhoras que habitavam as janelas da cidade.
Aí já não tinha saída. Era necessário sair de casa. E naquela pequena cidade do interior de Minas não havia muito para onde um adolescente ir. Todos o conheciam e o odiavam. As senhoras o vigiavam com olhar de reprovação permanente e sem misericórdia!
Uma carona e outra...
E já estava fora da cidade... e logo já estava fora de Minas.
Um caminhoneiro lhe contou que começou a trabalhar como engraxate, naquela época conseguiu um bom dinheiro para viver. Na parada, no posto de gasolina, pagou-lhe uma cerveja enquanto lhe ensinava o ofício da graxa na rua. Aquele ofício merecia ter um herdeiro. Uma cerveja e outra cerveja. Um sapato e outro sapato. A cachaça virou corote. A noite ficou longa. A técnica foi transmitida. "Menino, com a droga você não vai conseguir nada!" Tais palavras entraram, firmes e fortes. Gravaram-se permanentemente no tímpano! O corote deixava os ouvidos mais aguçados!
Vez por outra vinha aquela coragem de bater em todos, de enfrentar o mundo! E enfrentava... logo não tinha mais emprego, não tinha casa para onde ir, não tinha quarto que alugar. Partiu, para nunca mais voltar. Na mochila uma muda de roupa a lembrança da boa mãe... aquela que o deixou partir... que o amava...
E dali veio sua primeira caixa de engraxate.
E então ele chegou na cidade grande. Pelas ruas perambulou sem um centavo. Na graxa se arriscou, garantiu sua refeição, mas não sua cama. Nos ladrilhos frios do granito, sob a laje de uma loja, teve sua primeira noite, mas não seu primeiro sono. Frio e medo. Só o que tinha. Assim seguiu por dias a fio. Precisava dormir, não tinha mais como. Não tinha onde. Suas cutículas, os cantos de suas unhas, já tinham crostas de graxa. Suas mãos rachadas seguraram aquele corote! Tomou-o, todo! Lembrando do dia que o caminhoneiro lhe deu uma chave que o permitiu comer, mas não dormir. E, trôpego, dormiu, naquele mesmo granito gelado...
(continua)

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