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Algumas coisas tiram o sono. Para algumas pessoas não é difícil perder o sono, na verdade. Não ele. Ele dificilmente fica sem dormir, a menos que algo abale profundamente seu espírito. Ainda que seja íntimo do sono, seus sonhos flutuam, perdido na pólis de concreto, perdido, passeando entre prédios, armações de aço e vidro, pessoas, vidas, passados, presentes e futuros. Sonhos que embalam o repouso de seu corpo. Um arranjo permanentemente onírico bem organizado, com o qual vivia em perfeita harmonia espiralada sobre si. Mas naquela semana... já estava há 2 dias em vigília, vagando pela cidade...
Não por toda a cidade, apenas por aquelas ruas. Saía de casa, para lá ia, com qualquer desculpa frágil, ver uma loja ali por perto, comprar um presente pra prima (a quem não via há um ano), era caminho mais rápido, ou mais fácil, ou mais curto. Ia trabalhar, só um corpo presente executando algumas ações mecanicamente memorisadas e voltava para lá. De noite sentava em algum bar por ali, mas apenas em bares com mesas na rua ou junto a grandes janelas para a calçada. E vagava de um para outro bar. Tudo porque, apenas parcialmente conscientemente, esperava vê-la, atravessar novamente seu caminho, flagrar novamente a poesia em seus olhos.
Mas não... nada... já começava a tarde do terceiro dia desde que a viu. Desde que se toparam num café, ou num bar, ou qualquer coisa assim (estava meio bêbado), desde que o rosto dela foi tatuado em sua retina. Desde que sua atitude meio confiante, meio insolente, apregoou-se na sua.
Mas não! Porque raios achava que tinha alguma chance de cruzar, fortuitamente de novo com ela nessa imensa cidade?
Mas os acasos, ainda que não sejam por acaso, acontecem... mesmo nas grandes cidades.
Almoçou em qualquer canto. Nem sentiu direito o gosto da comida. Já desanimado, desesperançado.
Amuado sentou na amurada de concreto daquele largo espaço da espaço da avenida. Ali por onde muitas pessoas passam. Passam executivos, bem vestidos em seus ternos alinhados, passam hippies, góticos, emos, uns de branco, outros de preto... passam casais, apaixonados, brigando, brincando, passam apressados e vagarosos, determinados e perdidos, passam turistas da cidade e da vida e passa... ela! Passa ela! Sim, certamente! Viu de longe, mas jamais confundiria aquele corpo suave e enérgico, aqueles passos leves mas vigorosos!
Saltou de sua pasmaceira e correu atrás dela. Maldita multidão infernal que ocupa essa avenida diariamente! Corria esquivando-se por entre transeuntes completamente alheios a sua angústia. O sinal abriu e ela teve que parar! Ele parou junto, bem atrás dela. Esbaforido, recuperando o fôlego. Quando ela foi começar a andar ele a segurou delicadamente pelo ombro. Seus negros cabelos escorregaram pelo espaço até que aqueles dois pares de olhos castanhos se fitassem.
Alguns segundos, mas daquele tipo que provam a teoria de que o tempo é relativo. Talvez ela tenha percebido que ele estava incapaz de falar...
- Oi rapaz! Que bom te ver de novo!
- Estive te esperando!
- Também pensei em você!
- Eu SÓ pensei em você!
- O que você vai fazer agora?
- Não sei! Só estava te procurando!
- Acho que merecemos uma cerveja!
- Seria lindo!
- Você é uma graça! Acompanha-me?
- Sem dúvida!
A cena seguinte já é outra história.....