17.12.18

Feito no afeto

Certa vez conheci um homem. Seu sobrenome tinha algo que me remetia a um afeto. Quase um anagrama. Quase. Afeto...
Ele não tinha nada especial. Era mais uma alma mastigada pela existência. Sua mente pesava com mil pensamentos que faziam pouca conexão com o mundo externo, diria que mesmo que se alguém pudesse lê-los mal conseguiria suporta-los, muito menos entendê-los. Pesava e pendia.
Eram tantos pensares que seu pescoço realmente não suportava o peso. O nariz sempre apontava para baixo e então todo o seu ser acompanhava esse arco descendente. Sua boca era uma abóboda, sua coluna um arco gótico, seus olhos oblíquos tinham menos expressão vital que uma velha imagem sacra abandonada. Tudo sobre pernas finas, pequenas toras de aspecto carcomido que mal sustentam-se a si mesmas. Parece uma imagem decrépita demais para se pensar, mas se você olhar ao lado, encontrará dezenas como essa... olhe com cuidado...
Diziam que seus pensamentos ocupavam tantos pensamentos dentro e fora de si que podia passar horas em um banco de praça olhando o nada, e o tudo, que acontecia ao redor de si.
Bom... esse homem vagava pelo mundo... até que algo cruzou seu caminho. Fortuitamente ele foi chamado a um grupo... seriam apenas jogos cênicos, certamente ele não entendeu muito bem do que se tratava. Por um tempo parecia continuar não entendendo, mas algo o fazia estar ali praticamente toda semana, quieto, pensativo, pesado.
De uma brincadeira, uma cena. De outra brincadeira uma apresentação. De outra brincadeira um teatro de arena aberto! Talvez as curvaturas já estivessem mudando antes, mas ali, ao final, um sorriso se abriu.
Esse sorriso seguiu-se abrindo tímido, cada dia mais largo...
Passei semanas... meses... sem poder frequentar aquele grupo.
Certo dia voltei e quando apareci aquele homem já estava lá. E quando ele me viu, as curvas tornaram-se retas, o olhar no chão abriu-se para o horizonte e um largo e expansivo sorriso abriu-se junto com braços-janelas e deixou sair uma voz clara e bonita como poucas vezes se houvera escutado.
Ainda choro quando lembro daquele abraço...

4 comentários:

  1. Balançando em uma rede li seu texto.
    Vou ler outros...
    Gostei!

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  2. Quero conhecer outros personagens dessa sua vivência que tem um peso,
    mas que se desfaz com os toques todos que são seu olhar, sorriso e gesto.

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    1. Espero trazê-los... com magia e crueza... em breve, mais um...

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