27.12.10

Funeral

Longo período de jejum, os motivos de sempre!
Agora talvez comece uma nova seqüência de histórias, que talvez seja interrompida por umas ou outras histórias que não tem a ver com esta. Quem tiver paciência que acompanhe até o final.
Para ficar mais fácil, os poucos leitores devem ter percebido que introduzi uma nova página no blog (em uma aba acima), a Histórias Completas. Ali estão as histórias que foram publicadas em mais de um post, colocadas em seqüência de publicação.
Poderão achar estranho que bem no período das festividades eu tenha iniciado uma história por um velório, paciência... isso já tava cozinhando na minha cabeça fazia muito tempo e preciso realmente começar a desovar algumas coisas!



Já estamos nessa faz bastante tempo não é? Sabe que nunca vi algo como vi essa semana!? Foi impressionante.
Sabe, costuma ter um certo senso comum em velórios. Algumas pessoas choram ao caixão. Ficam olhando pensativos para o morto. As pessoas vão chegando e vão indo embora. Se abraçam. Choram. Lembram das últimas histórias, ou das primeiras, com o defunto. Alguns conversam e arriscam risos ao fundo. Isso é o mais lugar comum, o mais padrão.
Ah! E as histórias são aquelas totamente desinteressantes não é? Ah! Quando ele andou, quando ele falou, quando ele casou! E todos viram boa gente. "Me enganou várias vezes, mas era boa gente!".
Só agora percebo o quanto é sombrio isso que vivemos todos os dias. Acho que já perdemos um pouco a sensibilidade não é?
É! Com certeza sim...
E sempre contar as horas pra acabar... passar o turno e sumir para a casa. E arrumar algum passatempo para não ficar lembrando de toda aquela dor.
Mas não naqueles dois dias!
Eu simplesmente não consegui ir embora!
Não, estava muito cheio, mas não ficaram muito atrás da gente não.
Aliás! Que tanto de gente! Fui pesquisar o nome do morto, quando tem muita gente assim costuma ser da elite né! Não encontrei nada! Pessoa comum. Homem, adulto jovem. Caso trágico, aparentemente alguma doença rara. Não sei bem. Quase todos ali se referiam a ele como Zeca. Em volta do caixão algumas mulheres. Não dava para saber muito bem quem era a esposa dele. Todas olhavam para ele com muito amor. Se abraçavam, se consolavam, mas não estavam desoladas. Muitos estavam mesmo felizes. Foi bom pra ele? Deixou de sofrer? Não sei se era bem por aí não. Não ouvi ninguém com aquele típico tom de piedade: "ah, foi melhor assim né..." Fico louco no quanto escutamos isso todo dia! Que raio de consolo mais tosco! O desgraçado morre sofrendo, cheio de dores, se cagando, sem entender nada, sem reconhecer ninguém, muitas vezes sem o carinho de uma família já exausta de cuidar daquele carma de gente! E ainda vem falar que foi melhor assim? Isso lá é forma de morrer?
Não. Não era esse o caso. Havia lamentações sim, mas ninguém questionou o fato dado, ele morreu! Ninguém se perguntava o porquê, amaldiçoava a Deus ou ao Inferno. Ninguém questionava o porquê de morrer tão jovem. Saudades! Era disso que se falava!
Porque eu não conseguia ir embora? Oras... porquê... não dava para deixar de ficar ouvindo as histórias que se contava dele. No começo eram conversas paralelas. Uns falavam da infância, outros da adolescência.
Conta-se que tinha sido uma criança calma, amiga, inteligente... não dava trabalho, não causava transtorno. A adolescência tinha sido típica. Contestatória, com lascas de juventude transviada. Um ou outro se supreendia com inesperados casos de bebedeiras.
Os contos se sucediam. Vez por outra alguém contava algum mais animadamente e atraía mais ouvintes. A roda ia se abrindo. Em pouco tempo o caixão tangenciava uma formação irregular de cadeiras, meio circular. Um falava e todos ouviam. Riam e choravam com as histórias.
Em pouco tempo me veio à mente aquelas coisas de acampamento. Um monte de jovens em torno de uma fogueira, às vezes um violão, às vezes uma história de terror. Todos ali, mulheres e homens, jovens e velhos, com um caixão ao lado ouvindo histórias do defunto. Todos atentos, um por vez contando cada uma das histórias...
Histórias...
Naqueles dois dias de vigília desfiaram toda a vida do morto. Compartilharam suas próprias vidas! E quando acabou chorei como menino novo. E não foi de tristeza, foi de beleza! Foi de amor! Você não está entendendo não é? Vou tentar te contar um pouco do que eu ouvi. Um ou outro trecho eu perdi. De tantas em tantas horas tinha que sair para passar uma grande garrafa de café. Mas vamos ver o que ainda lembro...

Um comentário:

  1. mas é assim né? as pessoas morrem, não se escolhe dia.

    o que eu fico impressionada é que realmente as pessoas vivem esse momento do funeral para elas se lembrarem do morto, e para elas pensarem sobre ele.
    mas e o morto? ele continua lá, o corpo está lá. será que realmente não se pode fazer mais nada por ele, além de lembrar? Porque a morte de alguém afeta a todos, e é necessário um processo para quem fica sim. Mas e para quem vai?
    eu assisti um filme lindo ontem, japonês. Chama-se "A Partida" e fala um pouco sobre isso.

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