Sabe aquelas épocas em que tudo está indo mal? A tristeza vinha não sei de onde. Uma angústia mortal. Como se não bastasse, meu trabalho era uma merda. Aquela gente toda, aquela pressão, aquela... A vida amorosa estava esquálida, secando tal qual rio de sertão.
Não encontrava força ou apoio para fazer alguma mudança, mudar de direção ou qualquer coisa assim. Eis que surge... minha mãe!
Ela me liga falando que tinha sonhado comigo. Acordou assustada mas não lembra o que foi que sonhou. De tarde encontrou Mãe Naiá e ela falou que precisava falar comigo. Essas bobagens dela! Bom, mas ela insistiu um dia, dois, três. No quarto dia já estava pensando, o que eu tinha a perder também não é? Já estava tudo uma merda mesmo.
Fui encontrar a tal mulher. Ela tinha uma... clínica? escritório? sala de atendimento? No centro da cidade. Era uma sala em um prédio meio antigo, de frente a uma praça. Sala bonita, com ares de limpa, bem arrumada. O branco de três paredes contrastava com o azul da quarta e com o céu azul daquele dia.
Entrei, ela estava sentada à mesa... blusa branca de alcinha. Estava escrevendo alguma coisa. Levantou os olhos, mirou-me já chamando-me pelo nome. Convidou-me a sentar e começou a desfiar uma série de coisas sobre mim e minha vida. Foi um impacto! Como ela sabia daquilo tudo? Encerrou dizendo que meu caminho estava bloqueado e que as coisas dificilmente dariam certo até que eu resolvesse aquilo. Para isso precisaríamos fazer um sessão. Não sabia se eu queria entrar mais nisso não. Deu-me um papel onde estava escrito, em letras de mão bonitas, seu telefone, caso eu resolvesse levar isso a frente.
Cheguei em casa e, imediatamente, liguei para tirar satisfação com minha mãe. Ela não podia ficar expondo minhas intimidades para os outros! Entretanto, ela jurou que não tinha dito nada além do público e notório (profissão, idade etc)! Como então a mulher saberia de tanta coisa?
Foram dias pensando nisso. Minha situação amorosa se deteriorou ainda mais... Não tinha mais para onde correr.
Fui atrás da Mãe Naiá. Ela me passou uma lista de compras... várias ervas, algumas bem difíceis de se achar, velas, incensos, pólvora, tecidos etc. Mais de uma centena de reais em coisas estranhas... Também deveria levar uma muda de roupa limpa, o "trabalho" duraria o fim de semana inteiro.
O lugar era no interior do estado, numa cidadezinha desconhecida qualquer. Fui de ônibus. Chegando, buscaram-me na rodoviária. Numa picape, rodamos por muito tempo. Saímos da cidade. Entramos em uma estrada de terra e fomos parar em uma casa no meio do mato.
Muitas árvores altas arranjavam-se de forma a deixar uma clareira, onde, quase em seu centro, tinha uma casa em sobrado, de madeira escura e velha. Todo o espaço aberto restante era predominantemente coberto por entulho de todo tipo... restos de materiais de construção, vidros, pneus, papelão, tudo disposto em montes entremeados por moitas de matos e, era possível sentir, moitas de ervas aromáticas. Uma parte do terreno, em círculo, estava bem limpa, em terra batida, com manchas e cinzas no centro.
Deveria despir-me de qualquer metal que estivesse carregando. Lá se foram os brincos. Também não poderia tomar banho... poderia suportar dois dias sem banho.
Passamos a tarde em preces e mantras sussurrados, os quais seria incapaz reproduzir mesmo que quisesse, e faço questão de esquecer.
Soei demais naquela tarde quente, sob um mormaço constante! Suportaria mesmo não tomar banho? Pegaram uma galinha e degolaram na minha frente. Vomitei. Escorreram o sangue em mim, espalharam cinzas junto.
Imundice generalizada! Nojo!
Uma das pessoas que estava participando do trabalho começou a se debater. Rolou no chão. Era uma cena impressionante. Debatia-se sobre as cinzas, o sangue, as penas... ao fundo, o corpo inerte da pobre ave. Estarrecimento.
Haviam colocado muitos entraves para minha vida. Seria impossível continuar naquele dia e era necessário enterrar uma oferenda. Naquele momento faria o que quer que me mandasse! O impacto era tal, era tudo tão impressionante, que era impossível raciocinar com clareza. Enterramos algum dinheiro em um buraco raso, no meio do círculo.
Colocaram-me para dormir em um quartinho no porão, só com uma pequena janela para fora. Cama dura, altamente desconfortável. Alguma coisa me fazia coçar! Seriam carrapatos? Foi uma noite inteira de vigília! Ainda que o sono por vezes fosse demasiadamente insuportável, a ansiedade não me permitia mais do que alguns cochilos.
Logo ao amanhecer reiniciamos as orações. Seria necessário enterrar ainda outra oferta. Agora foi a carteira inteira.
O almoço foi galinha. Quase com certeza aquela que foi sacrificada no dia anterior. No fim da tarde foi pedido que me despisse. Nudez pública, nem me a percebi tirando a roupa. Então queimaram minhas vestes. Deram-me uma blusinha e uma calça vagabunda e mandaram-me embora. Deveria ir embora rápido ou os espíritos poderiam revoltar-se contra tanto fardo que lhes impus.
Quando dei por mim já estava dentro do ônibus. O que tinha acontecido?
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