Tenho passado por locais, passado por pessoas, passado por momentos.
Sabem, são coisas que merecem ser contadas!
Claro que também tem um quê da minha própria necessidade de escrever e de ser lido. Quem sabe meu exercício mental por aqui não ajuda a desentalar outras coisas a serem escritas e por aí vai...
É a aquele negócio, você só consegue correr uma maratona se correr todo dia!
- Posso me meter na conversa de vocês?
- Ahn?! É... Claro...
Hmmm Um senhor, careca. Sem gilete... podem-se ver brotos de cabelo branco! Uns 50 anos? Saliente barriga não engana. Todo dia uma cerveja. Hoje está com um copo de whiski em uma mão e um cigarro na outra.
Ela enrola, distraidamente interessada um cigarro de palha. Ação rotineira dos últimos anos que não demanda qualquer atenção. Vez por outra passa um desavisado... seria algo ilegal? Talvez ela não perceba os olhares, aguça minha curiosidade.
- É verdade! Esse negócio da proibição do cigarro é foda!
- É! Lá em São Paulo os fumantes foram jogados na sarjeta!
- E ninguém reclama! Estranho!
Ele já está na roda. Fuma tranquilo seu cigarro industrializado, o copo descansa no parapeito da lanchonete.
- Eu não quero nem saber! Ai deles se essa lei chegar por aqui! Respeito quem não fuma sabe, mas não venham me falar o que fazer ou não da minha vida.
Uma garoa. A brisa é demasiado fria. Se fosse ele eu estaria com bastante frio na cabeça. Um carro passa correndo, espirra um pouco de água. De dentro vem um calor. As pessoas amistosamente conversando? O calor de uma apetitosa refeição? Ou apenas o forno e a chapa?
- Essa coisa toda é bem difícil né!
- E vocês três jovens? Fazem o que?
- É... ele é cientista social, ela é enfermeira e eu sou médica!
Ahn? Alguma coisa está meio fora de ordem! Foi proposital! Vou espiar o brigadeiro do caixa da lanchonete para não dar risada! Brigadeiro grande, bonito. To gordo!
- E o senhor?
- Ah! Detesto meu trabalho! Aqueles babacas!
- Ahn?
- No meu trabalho só tem gente escrota, babaca, ridícula...
- Puxa...
- Acho que não veriam alguém morrendo do lado deles!
- Mas...
- Sensibilidade zero!
- É... no que o senhor trabalha?
- Mercado financeiro... Tudo uns bostas!
- Deve ser difícil.
Fico imaginando esse sujeito esganando um no trabalho. "Senhor fulano, pode pegar o...", "Não seu bosta!". Caramba!
- Eu queria mesmo era ser músico.
Acompanhei seu olhar para cima. Parecia estar tentando tirar notas do farfalhar das árvores.
- Sempre há tempo!
- Não é bem assim. A coisa fica bem difícil nessas situações. E não dá mais para praticar. Sabe que minha filha saiu de casa esses dias. Casou. Foi uma alegria. Disse, vai ser feliz minha vida e não deixe que os outros te digam o que fazer. E eu lhes digo, ninguém me diz o que fazer.
Todo dia de manhã ele acorda. Toma um xícara de café, pão com manteiga. Tontamente levanta-se... caminha até o espelho do banheiro. Cospe com raiva. Escova os dentes com força. Os dedos do pé se contraem. Ainda é quarta. Vai ter que encontrar aquele escroto. Está a um pingo de quebrar o nariz dele.
Arrastando os pés vai até a cama. Para alguns momentos de joelhos olhando para uma caixa de madeira que tem embaixo. De dentro dele tira um bloquinho verde escuro, esmigalha uns pedaços. Um pedaço de papel de seda. Enrola tudo em um cigarro. Guarda a caixa e deixa o cigarro respousado na mesinha de cabeceira enquanto troca de roupa. Veste o segundo terno da semana. Só tem dois. É bom que não lhe derrubem café novamente.
Respira fundo. Pega o cigarro entre os dedos. Acende com cuidado. Calmamente atravessa os quarteirões que o levam até o trabalham. Que o levam, levianamente leve a cada passo...
Essa noite vai tomar dois comprimidos a menos para dormir.
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