Ninguém sabe como aquela vila foi parar ali. Como ela se formou? Quem foram seus primeiros moradores? Porque foram para lá e como pararam ali? Nem os mais velhos sabem direito. Tem só algumas hipóteses.
Sabe-se que apesar das algumas dezenas de casas, são apenas duas ou três famílias. Antes era uma só. Mas teve um povo que fugiu da seca no sertão e parou por ali. Ainda assim as famílias se misturavam.
Sabe-se também de onde veio Antônio Pedro. Seu pai era um dos pescadores. Acordava no meio da noite. Saía rápido para aproveitar o vento da madrugada. Voltava no fim da tarde. Sua mãe acompanhava o ritmo. Acordava ainda mais cedo. Preparava umas cacimbas com água, carne de coco... quando os tempos eram bons, às vezes até um pouco de carne de sol. As vacas viviam nos morros verdes próximos.
Tudo na casa existia por causa de sua mãe. Engravidou dele ainda jovem. O casal tinha aquela rotina fazia só um ano. Sua mãe quis chama-lo de Antônio, como o pai. Talvez fosse para sentir o marido mais próximo no dia a dia.
A circunstância do nascimento foi inusitada. Naquela época do ano a água doce próxima da vila ficava salgada. Precisavam buscar água nas lagoas mais no interior. Era preciso caminhar entre as dunas. As vezes os jumentos ajudavam. Certo dia, já tinha feito todo esse caminho. Estava à beira do lago enchendo as cacimbas maiores que tinha. Então Antônio começou a nascer. Suas águas desceram. A dor veio forte, aumentava de força e freqüência em pouco tempo. As outras mulheres que estavam perto acharam que não seria possível voltar com ela assim. Era melhor que a criança nascesse ali do que corresse o risco de nascer no meio da areia branca.
Pobre mulher. Em toda a sua força feminina suportou corajosamente a situação, mas não era capaz de permanecer de pé, ou de cócoras. Sentou sobre uma pedra que lhe fornecia perfeito apoio. Sua vizinha ajudou o parto.Sua avó, que era anciã muito respeitada, dizem que neta de um pajé muito poderoso dos antigamente, disse que o menino recém-nascido deveria ter em seu nome uma homenagem à difícil condição em que foi parido. Assim virou Pedro.
E vale a pena contar essa história pois não foi por causa dela que o lago passou a ser conhecido por lago do amor? E na época das chuvas era possível ir de barco até ele. E às vezes até barcos da capital chegavam por ali e iam até lá. Queriam vender e comprar. Ninguém entendia por davam tanto valor às roupas e toalhas que as mulheres teciam. Eram tão pobres, no comércio acabavam sendo vendidas por quase nada. Alguns voltavam sempre. Alguns até mesmo dormiam por na praia, acampavam e passavam dias. Iam embora e quando voltavam traziam mais uma ou outra pessoa.
Um ano o rio secou totalmente. Sobrou só o lago e a vala que conduzia sua água.
Naquele ano a chuva foi pouca. O rio não voltou. As mulheres iam todo dia até ele. Preocupadas. No outro ano a mesma coisa. As mulheres sentaram ao leito do rio e choraram. A estação de chuvas acabou de novo, o rio não encheu, os barcos não passavam mais e o lago ia secando.
A mãe de Antônio Pedro sempre o levava lá. Ele adorava ouvir a história de quando nasceu na pedra.O lago secou... os rios minguaram. A lama endureceu e até caçar caranguejo era difícil. Os cajueiros morreram, nada que plantava vingava. O gado emagrecia. Nem valia sacrificar os pobres bichos. Não tinham carne. Nem as vacas, nem os bodes, nem os jumentos. Sobrou apenas peixe e macaxeira.
As crianças adoeceram. Antônio, que não era rocha, sofreu e adoeceu. A vila sofreu. Mas ele queria comer e queria ouvir a história de quando nasceu, mas queria ouvir sentado na pedra. Se comida estava difícil naqueles tempos, sua mãe o pôs em um jumento e o levou até lá. Algumas mulheres foram junto. Dizem que a dita anciã, que há anos não saía da vila, foi também.
Ventava areia. A terra se mexia. As dunas se mexiam. Todas sentaram em roda em volta da pedra. O menino deitou ao lado dela. Ouviu a história, fechou os olhos olhando para um barco encalhado ali perto. Nunca mais os abriu.
Diz-se que elas colocaram o menino no barco. Diz-se que nunca mais se disse nada sobre Antônio. Alguém falou que Pedro se fez pedra. Talvez tenha sido a anciã. No ano seguinte choveu bastante. O rio voltou fino e desviou do lago, lá já tinham montes de areia e um barco encalhado. Ninguém mais sabe do barco encalhado. Certa senhora conta que tem uma duna que é encantada. Alguém diz que dentro dela tem um barco, mas ninguém mais diz de onde vem a pedra que segurou a areia ali. Sabe-se só que vultos de mulheres e uma criança passeiam por ela à noite.
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